sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O URSO - Nicolau Liescov - Punhados dos capítulos II e III

        A casa de meu tio, um enorme sobrado de pedra, ficava no campo. Parecia um castelo. Era uma construção imponente, mais feia, monstruosa...... Meu tio adorava caçar com seus cães. Cavalgando velozmente, ele cercava lobos, coelhos e raposas, até agarrá-los. Tinha também uns cães especiais para apanhar ursos. Eram cães de uma raça que possuía dentes longos e afiados. Cravavam esses dentes nos ursos de tal forma que era impossível arrancá-los. Às vezes, defendendo-se, o urso matava um desses cães com um só golpe de sua possante pata, mas os dentes do animal morto continuavam cravados na carne do outro. Como atualmente a caça ao urso na Rússia é feita de outra maneira, parece que essa raça de cães acabou por ser extinta.
            Havia muitos ursos naquela região; caçá-los constituía um bom divertimento.
        Quando conseguiam localizar uma toca de ursos, de lá retiravam os filhotes, trazendo-os para casa. Mantinham-nos presos dentro de grandes construções de pedra, cujas janelas tinham apenas grades: os ursinhos para espiar através das janelas, subiam uns nas costas dos outros, pendurando-se nas grades com suas fortes garras. Quando nosso professor o alemão Kolberg, nos levava a passear, antes do almoço, o que nós crianças, mais gostávamos era de ir até essas construções e olhar os engraçados focinhos dos ursinhos que espiavam pelas gradas. O professor sabia dar-lhes, na ponta de uma vara, os pedaços de pão que nós levávamos para eles.
           Quem cuidava dos ursos e os alimentava era um empregado jovem, de nome Ferrapont. Mas como este nome era de pronúncia difícil para o povo, chamavam-no de Krapon, ou então Krapochka. Lembro-me muito bem dele: era um rapaz de uns 25 anos de idade, estatura mediana, muito ágil, valente e forte. Tinha traços bonitos: alvo, corado, cabelos negros e grandes olhos escuros. Sua irmã Anuchka, também trabalhava na casa de meu tio, como babá. De vez em quando, ela nos contava coisas muito interessantes sobre seu corajoso irmão e sua extraordinária amizade com os ursos. O rapaz dormia com esses animais no inverno e no verão, dentro daquelas construções, e eles o cercavam com muito carinho, numa demonstração de amizade.
            
            Na frente da casa de meu tio, havia um canteiro de flores, redondo, rodeado por uma cerca colorida, no meio do qual estava fincado um tronco de árvore alto e reto, bem liso, que chamávamos de mastro. No alto desse mastro estava montado um pequeno tablado, por nós apelidado de pavilhão.
   Dentro os ursinhos aprisionados era sempre escolhido um, considerado o mais inteligente, quer dizer mais vivo e esperto. Ele era então separado dos irmãos, passando a viver em liberdade, isto é, podia andar pelo pátio e pelo parque, mas tinha de ficar de sentinela junto ao mastro, na frente do qual estava o portão principal da casa. Aí ele passava a maior parte do tempo, deitado na palha junto ao pé do mastro, ou então lá em cima, no pavilhão, onde sem ser incomodado, ficava sentado ou dormia.
          Os ursos só podiam levar uma vida assim livre até atingirem um certo tamanho, quando então começavam a revelar suas inclinações animalescas, impróprias para o convívio social. Uma vez adultos, não mais se portavam tão mansamente: perseguiam as galinhas, os gansos, os bezerros e até as pessoas....
           O urso que perturbasse a tranquilidade dos moradores da casa era imediatamente, condenado à morte e nada podia salvá-lo dessa condenação.


Liescov, nasceu no vilarejo de Gorchov, na província de Oriol em 1831. Era uma região eminentemente agrícola , em cujos campos trabalhavam os mujiques - camponeses submetidos ao regime de servidão, que imperou na Rússia até 1861. Desde pequeno o escritor conviveu com o povo simples, de poucos recursos, que lhe serviram de inspiração para a maioria de suas obras. Liescov nunca foi, um revolucionário. Era simplesmente um liberal, isto é, um homem que, prezando a liberdade individual acima de tudo, não suportava observar injustiças, principalmente em relação ao povo humilde e ignorante. No fundo ele era um patriota, pois amava muito sua terra e sua gente, a ponto de se sentir na obrigação de defendê-las como podia: com a literatura.

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