domingo, 11 de dezembro de 2011

Punhados de: A Maçã no Escuro - Clarice Lispector

    [.....] Mas quando aquele homem chegou ao alto da encosta  - como se tivesse enfim captado uma ilusão perseguida a vida inteira e tocado na sua própria embriaguez, subitamente capturado por um redemoinho de finíssima alegria - o ar se abria em vento turbilhonante e livre. E ele se achou em pleno alarido que era tão inapreensível como se este fosse o som do poente.
     Ele não errara, pois! O que era? era o vento apenas. O que era? mas era o alto de uma montanha. Seu coração bateu como se ele o tivesse engolido. Ele, o homem, desembarcara.
     Era uma atmosfera de júbilo. De vazio e vertiginoso júbilo, como acontece inexplicavelmente a um homem no alto de uma montanha. Ele nunca estivera tão perto da promessa que parece ter sido feita a uma pessoa quando esta nasce. Estupidificado, ele abriu várias vezes a boca como um peixe. Parecia ter atingido aquela coisa que uma pessoa não sabe pedir. Aquela coisa a que obscuramente ele só poderia dizer: consegui. Como se tivesse provocado o mais fundo de uma realidade imaginada.Às vezes a pessoa estava tão ávida por uma coisa, que esta acontecia, e assim se formava o destino dos instantes, e a realidade do que esperamos: seu coração, ansioso por bater amplo, batia amplo. E como para um pioneiro pisando pela primeira vez em terra estranha, o vento cantava alto e magnífico.
     Com que sentido o homem cansado o percebeu, não se sabe dizer, talvez com a aguda sede e com sua derradeira desistência e com a nudez de sua incompreensão: mas havia júbilo no ar. Que na verdade lhe foi tão inassimilável quanto aquele azul quase inventado do céu e que, como todo azul suavíssimo, terminou por tonteá-lo em glória tola e em nobre glória. A armadura interior do homem faiscou. Inatingível, sim, mas havia júbilo no ar como lhe tinha sido prometido alguma vez em procissões ou em algum rosto quieto de mulher ou na idéia de um dia alcançar que termina por precipitar o alcance. E àquele homem, que era um exagerado, pareceu que por assim dizer trabalhara duramente para chegar a essa coisa valiosa e inútil. Seria um sorriso imbecil o seu, se um espelho o refletisse.
     Foi então que Martim percebeu que estivera andando no planalto imenso de uma serrania, cujas primeiras ingremidades ele certamente havia galgado durante a noite, julgando dificuldade sua o que fora a dificuldade de uma subida nas trevas; e mais tarde, tomando como cansaço seu o que na verdade fora uma aproximação gradativa do sol. Mas o que importava é que ele chegara.[......].




A Maçã no Escuro - Clarice Lispector - É um romance dos anos 50, só foi publicado em 1961.Clarice nasceu na Ucrânia , chegando ao Brasil com dois meses de idade. Faleceu em dezembro de 1977.

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