Desde pequeno, tive tendencia para personificar as coisas. Tia Tula, que achava que mormaço fazia mal, sempre gritava: "Vem pra dentro menino, olha o mormaço". Mas eu ouvia o mormaço com M maiúsculo.Mormaço, para mim, era um velho que pegava crianças! Ia pra dentro logo. E ainda hoje, quando leio que alguém se viu perseguido pelo clamor público, vejo com estes olhos o Sr. Clamor Público, magro, arquejante, de preto, brandindo um guarda-chuva, com um gogó protuberante que se abaixa e levanta no excitamento da perseguição. E já estava devidamente grandezinho, pois devia contar uns trinta anos, quando me fui, com um grupo de colegas, a ver o lançamento da pedra fundamental da ponte Uruguaiana-Libres, ocasião de grandes solenidades, com os presidentes Justo e Getúlio, e gente muita, tanto assim que fomos alojados os do meu grupo num casarão que creio fosse a Prefeitura, com os demais jornalistas do Brasil e Argentina. Era como um alojamento do quartel, com breve espaço entre as camas e todas as portas e janelas abertas, tudo com os alegres incomodos e duvidosos encantos de uma coletividade democrática. Pois lá pelas tantas da noite, como eu pressentisse, em meu entredormir, um vulto junto à minha cama, sentei-me estremunhado e olhei atonito para um tipo de chiru, ali parado, de bigodes caídos, pala pendente e chapéu descido sobre os olhos. Diante da minha muda interrogação, ele resolveu explicar-se, com a devida calma:
- Pois é! Não ve que eu sou o sereno....
E eis que por um milésimo de segundo, ou talvez mais, julguei que se tratasse do silencio noturno em pessoa. Coisas do sono? Além disso, o vulto , aquele penumbroso e todo em linhas descendentes, ajudava a ilusão. Mas por que desculpar-me? Quase imediatamente compreendi que o "sereno" era um vigia noturno, uma espécie de anjo da guarda crioulo e municipal.
Por que desculpar-me, se os poetas criaram os deuses e semideuses para personificar as coisas, visíveis e invisíveis...... E o sereno da Fronteira deve andar mesmo de chapéu desabado, bigode, pala e de pé no chão...sim, ele estava mesmo de pés descalços, decerto para não nos perturbar o sono mais ou menos inocente.
Cronica do Livro as Cem Melhores Cronicas Brasileiras - Os anos 1970- Longe daqui, aqui mesmo-
- Pois é! Não ve que eu sou o sereno....
E eis que por um milésimo de segundo, ou talvez mais, julguei que se tratasse do silencio noturno em pessoa. Coisas do sono? Além disso, o vulto , aquele penumbroso e todo em linhas descendentes, ajudava a ilusão. Mas por que desculpar-me? Quase imediatamente compreendi que o "sereno" era um vigia noturno, uma espécie de anjo da guarda crioulo e municipal.
Por que desculpar-me, se os poetas criaram os deuses e semideuses para personificar as coisas, visíveis e invisíveis...... E o sereno da Fronteira deve andar mesmo de chapéu desabado, bigode, pala e de pé no chão...sim, ele estava mesmo de pés descalços, decerto para não nos perturbar o sono mais ou menos inocente.
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