quinta-feira, 25 de novembro de 2010

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O Rabino - Isaac Babel

  " Tudo é mortal. Apenas a mãe é destinada à imortalidade. E quando a mãe já não está entre os vivos, deixa uma memória, que até hoje ninguém ousou macular. A memória da mãe nutre em nós uma compaixão semelhante ao oceano insondável alimenta os rios que dissecam o universo.
  Tais as palavras de Gedali. Ele as pronunciou com grande solenidade. A tarde morria, rodeando-o com a névoa rósea da tristeza.
  "O apaixonado edifício do hassidismo teve suas portas e janelas arrombadas, porém é tão imortal como uma alma de mãe. Com órbitas gotejantes, o hassidismo ainda permanece nas encruzilhadas das turbulentas rajadas da História".
  Assim falou Gedali. E terminadas as suas preces na sinagoga, levou-me à presença do Rabino Motale, o último da dinastia Chernobyl.
  Fomos seguindo, Gedali e eu, a rua principal. Brancas igrejas cintilavam à distância, semelhantes a campos de trigo sarraceno. O motor de uma carreta de canhão ronronava a um canto. Duas mulheres ucranianas, grávidas, saíram de um portão fazendo tilintar seus colares de moedas, e sentaram-se num banco. Surgindo do conflito chamejante do por do sol , uma estrelinha tímida cintilou, e a paz, a paz do Sabá pousou sobre os tetos desvairados do gueto de Jitomir.
  - É aqui - murmurou Gedali, apontando para um alto edifício com a fachada arruinada.
  Entramos num quarto de paredes rígidas, vazio, como um necrotério. O Rabino Motale estava sentado a uma mesa, rodeado de mentirosos e possessos. Trajava um roupão branco, preso à cintura por um cordão, e tinha à cabeça um gorro de arminho. Sentado de olhos fechados, enterrava os dedos finos na barba amarelada.
  - De onde vem o judeu?- perguntou, erguendo os olhos.
  - De Odessa - respondi
  - Cidade temente a Deus - disse o Rabino -a estrela de nosso exílio, a fonte involuntária de nossa   desolação. Em que se ocupa o judeu?
  - Estou pondo em versos as aventuras de Hersch de Ostropol
  - Grande tarefa - murmurou o rabino, e fechou as pálpebras - O chacal, quando uiva, é porque tem fome, cada louco tem loucura suficiente para ficar desalentado, e somente o sábio pode romper com seu riso o véu que oculta o ser. Que estudou o judeu?
  - A Bíblia.
   E que procurava o judeu?
  - Alegria.
  - Reb Mordecai - disse o saddik, agitando a barba - , deixe o rapaz sentar-se à mesa, deixe-o comer com todos os outros judeus, nesta noite de Sabá, deixe-o regozijar-se por estar vivo, e não morto, deixe-o bater as mãos quando seus vizinhos dançarem, deixe-o beber vinho, se lhe derem algum.
  E adiantou-se para mim Mordecai, um antigo bufão, um velho corcunda, de pálpebras viradas, do tamanho de um garoto de dez anos.
  - Oh, meu caro jovem, tão jovem - disse o andrajoso Reb Mordecai, piscando os olhos para mim- Quantos ricos imbecis conheci em Odessa! E quantos sábios sem um níquel conheci, também em Odessa. Sente-se à mesa, rapaz, e beba o vinho que não lhe será dado.
  Todos nós - possessos, mentirosos, indolentes- nos sentamos ao lado uns dos outros. A um canto, alguns judeus espadaúdos, com ar de pescadores e apóstolos, gemiam sobre os seus livros de oração. Gedali com seu fraque verde arrastando no chão, cochilava junto à parede, parecendo um pequeno pássaro cintilante. E, subitamente, notei um jovem ao seu lado, um jovem com o rosto de Spinoza, a fronte potente de Spinoza, e o rosto languido de uma freira. Fumava, tremendo, como um preso recapturado que é conduzido de volta à cela.
  O esfarrapado Reb Mordecai arrastou-se até ele, puxou-lhe o cigarro da boca e precipitou-se de novo para mim.
  - Este é Elias o filho do rabino - disse com voz rouca, aproximando mais de meu rosto os olhos injetados de sangue - o filho amaldiçoado, o derradeiro filho, o filho rebelde.
Mordecai ameaçou o jovem com o punho e cuspiu-lhe no rosto.
  - Abençoado seja o Senhor- ecoou a voz do Rabino Motale, que começou a partir o pão com seus dedos simiescos.- Abençoado seja o Senhor Deus de Israel, que nos escolheu entre todas as Nações do Mundo.
  O rabino benzeu o alimento, e sentamo-nos à mesa. Para além da janela, abriam-se as mandíbulas selvagens da guerra. Em meio ao silêncio e à oração, o filho do rabino continuava a fumar um cigarro após o outro.Terminada a ceia fui o primeiro a erguer-me.
  - Meu caro jovem, tão jovem ainda - resmungava Mordecai, atrás de mim, puxando-me pelo cinto- se não existisse ninguém no mundo, senão os maus ricos e os errantes, necessitados, como viveriam os homens santos?
  Dei ao velho algum dinheiro e saí para a rua. Despedi-me de Gedali, e dirigi-me à estação. Ali, no trem de propaganda o primeiro Batalhão de Cavalaria, esperava-me o clarão de luzes inumeráveis, o brilho mágico da estação de rádio, o trabalho obstinado dos prelos e meu artigo, ainda por terminar, para o Soldado Vermelho.



 Um dos Contos do Livro A Cavalaria Vermelha,um relato, sem subterfúgios da campanha russo-polonesa de 1920. Isaac Babel, mais brilhante escritor da geração literária surgida com a Revolução Russa. Babel opôs ao lirismo dos seus contemporâneos uma objetividade desconcertante. Narrativas curtas , instantâneas a clarear as cenas trágicas do front.Ele participou da campanha russo-polonesa, servindo na Cavalaria de Budieni.

sábado, 13 de novembro de 2010

ANITA - Carmem Borja



Quando o outono chega, ela fica feliz, porque os livros de Dostoiéwski são para serem relidos em uma temperatura por volta de vinte graus, isto é, com muito conforto e de leve bebericando um capuccino.
A Clarice Linspector fica sempre para a hora de ir dormir, requer extrema atenção e nos leva a caminhar nas agruras incongruentes do real e do irreal. Será que minha personagem Carmem terá sua hora da estrela?
Nasceu quando sua mãe fazia Filosofia, cresceu vendo pilhas e pilhas de livros, quando havia uma enchente sua mãe salvava, primeiro os livros depois as crianças e a casa. Quando adolescente já tinha contato com Edgard Alan Poe, Sartre, Clarice Linspector, Jorge Amado, Eça de Queiroz, Gabriel Garcia Marquez, Ernest Hemingway e o amado TchéKhov : “— A humanidade progride, luta pela perfeição. Tudo que agora está fora do nosso alcance um dia será compreensível e trivial; só que é preciso trabalhar, ajudar com todas as nossas forças, os que procuram soluções. Aqui na Rússia, por enquanto são muitos os que falam, poucos os que trabalham. Os intelectuais que conheço, não procuram nada, não fazem nada;  ficam doentes só com a idéia de qualquer esforço. Intitulam-se humanistas, mas tratam os criados como inferiores e os camponeses como animais”. — fala do personagem Trofímov- O Jardim das Cerejeiras – 1904.
De manhã bem cedo se põe a escrever poemas, e às vezes após uma longa viagem, é o diário que preenche o tempo.
Sempre tem algumas horinhas para digitar e reler os contos que não foram concluídos ou mesmo iniciar novas leituras.Cada dia novo é como caminhar na neblina, em breves espaços, desvendando outros personagens, perambulando pelo tilintar das folhas secas.

                                                artista plástica: Gabriela de Borja Araújo


Esta é uma homenagem a minha amada MÃE, com ela aprendi a velejar na leitura.

sábado, 6 de novembro de 2010

ABRIR AS CORTINAS - CINEMA - DAVID LYNCH - Em Àguas Profundas

   É tão mágico - não sei porquê - quando se entra no cinema e as luzes se apagam. Tudo fica em silêncio e depois as cortinas começam a se abrir. Muitas vezes são cortinas vermelhas. E penetramos em outro mundo.
   É maravilhoso quando essa experiência é compartida. E continua maravilhoso, quando estamos em casa temos nosso próprio cinema à frente, embora não seja o ideal. A tela do cinema é melhor. Essa é a maneira de se entrar no mundo.
   O cinema é uma linguagem . Eu posso dizer coisas - grandes e abstratas, . E adoro isso.
   Nunca fui muito bom com as palavras. Algumas pessoas são poetas e têm um jeito maravilhoso de se valer das palavras para dizer o que querem. Mas o cinema é uma linguagem singular. E com essa linguagem podemos dizer muitas coisas porque dispomos de tempo e sequências. Há diálogos. Há música. Há os efeitos sonoros. Você tem muitos recursos. E assim pode expressar emoções e pensamentos que não poderiam ser expressos de outro modo. O cinema é um meio mágico.
   Acho extraordinário poder pensar em cenas e sons, fluindo juntos em tempo e sequência, fazendo algo que só pode ser feito por intermédio do cinema. E não são apenas palavras e música ; reúne-se uma variedade de elementos que realizam algo completamente novo. Isso é contar histórias.É apresentar um mundo, uma experiência , que os outros só terão se assistirem ao filme.
  Sou apaixonado pela forma com que o cinema é capaz de expressar as idéias , que capto para fazer os filmes. Gosto de histórias impregnadas de abstração, e isso o cinema pode fazer.


O contato que tive com ele foi muito tênue, foi em Fronteiras do Pensamento na URGS, autografou o livro prá mim e me disse algo muito rápido: "Saiba que toda à Natureza é um teatro mágico". " Se você pegar um peixinho, pode ficar em águas rasas. Mas se quer um peixe grande, terá que entrar em águas profundas.David Lynch- Criatividade e Meditação-" Em Águas Profundas"

terça-feira, 2 de novembro de 2010

PACTO - Carmem Borja

        Um metro e sessenta de porte, os cabelos soltos por trás da tiara marfim, grandes óculos de sol cobrem uma parte da face. O cheiro de combustível misturado com matéria fecal rescende do asfalto sob o sol das 13h, faz o seu rosto da cor carmim. Ela deixou o trem rapidamente, o tempo é mais rápido que os braços e pernas na dança das espadas, pensa Miríade. Os pés escorregam pelo couro das sandálias, como se fossem sair descalços no burburinho do calçamento. Ao ver a vendedora de agulhas com a sua roupa colorida, lhe vem a mente o palavreado repetitório:
         _  Há de ser assim, não tem mais como mudar.
         Mas o restante da frase apaga-se em sua mente, somente o desconforto da calça jeans roçando em sua pele lhe traz de novo a paisagem da rua.
          Vestimentas nada a ver com ela. É como se estivesse sempre fantasiada de um ocidentalismo prático, que macera sua pele e seu espírito {......}
           Miríade senta cerca a mesa, passa as mãos entre uma e outra e após na calça. Ao toque de um relógio começa a fitar o ambiente: relógios antigos, baús, pratos de bronze, uma prateleira cheia de rádios, gramofones, vitrolas, e no lado esquerdo, um quadro encostado ao chão e, na parede, uma odalisca turca, com seus braços cheios de pulseiras, arrebata uma cena de mercado persa................

Nem Todas as Palavras - Lançamento 56ª Feira do Livro