Justiça seja feita: o primo nunca abandonou o Brasílio. Mesmo quando o Brasílio morava na roça com a mulher e os três filhos, em Quintos, parte da Grande Cafundó, e não tinha o que comer, o primo ia visitá-lo para levar notícias. O Brasílio preferia que o primo levasse comida, talvez um dinheirinho, mas o primo sempre dizia que na próxima vez levaria. Novidades é que não faltavam. Em abril de 64, por exemplo, o primo chegou anunciando que trazia uma grande alegria para todos. A família do Brasílio se reuniu, pensando que fosse carne, mas era uma notícia:
- O Brasil está livre dos comunistas!
O primo contou tudo o que acontecera, com grande admiração, e se despediu dizendo que na próxima vez traria um feijãozinho. As crianças ficaram brincando de mocinho e comunista no quintal para disfarçar a fome. E naquela noite, antes de dormir, o Brasílio comentou com a mulher que as coisas podiam ir mal, mas pelo menos não pairava mais sobre suas cabeças a ameaça do anarco sindicalismo.
Na sua visita seguinte o primo chegou um pouco desanimado. Não estava gostando dos rumos que tomava a Revolução, aparentemente dominada por setores reacionários que representavam uma ameaça às liberdades públicas. Começaria um período de arbítrio e obscurantismo, o que assustou as crianças. O Brasílio perguntou se o primo trouxera o feijãozinho, e o primo, já na porta, se desculpou:
- Ando tão preocupado com as instituições que esqueci.
Brasílio e a família - mulher e seis filhos - tiveram que ir para a cidade, procurar emprego, e a visita seguinte do primo já foi no barraco. O primo estava eufórico. Estava acontecendo um milagre econômico no Brasil. Era o país que mais crescia no mundo. Em breve, como dizia o Delfim, o bolo seria repartido entre todos. A família do Brasílio começou a salivar e o primo pensou que fosse de orgulho pelo PIB. Depois deu um tapa na testa. Com toda aquela agitação, Copa do Mundo e tudo, esquecera de trazer comida. Ficava para a próxima visita.
O primo teve alguma dificuldade para encontrar Brasílio, a mulher e os nove filhos para visitá-los, depois que foram despejados do barraco. Finalmente encontrou a ponte certa. Chegou dizendo que viera compartilhar uma coisa com eles.
- Comida?
- Não. Minha angústia com o nosso endividamento externo. Nossa soberania está ameaçada.
Depois que o primo saiu, prometendo que na próxima vez traria comida, o ambiente ficou carregado embaixo da ponte. Nossa soberania ameaçada. Puxa. E aquelas outras coisas de que o primo falara. Corrupção nas altas esferas. Ameaça de retrocesso no processo de abertura. Chato!
Quando o primo apareceu de novo, estava vibrando.
- Finalmente! O que vocês esperavam!
- Oba!
Brasílio, a mulher e os doze filhos foram buscar as panelas, gamelas, sacos, canecas, tudo o que podiam para receber a comida. Mas não era comida. Era a notícia da vitória iminente do Tancredo. Houvera um movimento nacional pelas eleições diretas. Depois de um clamor nacional pró Tancredo e contra Maluf. Era o começo de novos tempos!
- Trouxe comida? - perguntou o Brasílio.
Aí o primo se impacientou.
- Todas estas coisas acontecendo no país e você só pensa em comida?!
Do Livro: A Mãe do Freud - Luis Fernando Veríssimo.
- O Brasil está livre dos comunistas!
O primo contou tudo o que acontecera, com grande admiração, e se despediu dizendo que na próxima vez traria um feijãozinho. As crianças ficaram brincando de mocinho e comunista no quintal para disfarçar a fome. E naquela noite, antes de dormir, o Brasílio comentou com a mulher que as coisas podiam ir mal, mas pelo menos não pairava mais sobre suas cabeças a ameaça do anarco sindicalismo.
Na sua visita seguinte o primo chegou um pouco desanimado. Não estava gostando dos rumos que tomava a Revolução, aparentemente dominada por setores reacionários que representavam uma ameaça às liberdades públicas. Começaria um período de arbítrio e obscurantismo, o que assustou as crianças. O Brasílio perguntou se o primo trouxera o feijãozinho, e o primo, já na porta, se desculpou:
- Ando tão preocupado com as instituições que esqueci.
Brasílio e a família - mulher e seis filhos - tiveram que ir para a cidade, procurar emprego, e a visita seguinte do primo já foi no barraco. O primo estava eufórico. Estava acontecendo um milagre econômico no Brasil. Era o país que mais crescia no mundo. Em breve, como dizia o Delfim, o bolo seria repartido entre todos. A família do Brasílio começou a salivar e o primo pensou que fosse de orgulho pelo PIB. Depois deu um tapa na testa. Com toda aquela agitação, Copa do Mundo e tudo, esquecera de trazer comida. Ficava para a próxima visita.
O primo teve alguma dificuldade para encontrar Brasílio, a mulher e os nove filhos para visitá-los, depois que foram despejados do barraco. Finalmente encontrou a ponte certa. Chegou dizendo que viera compartilhar uma coisa com eles.
- Comida?
- Não. Minha angústia com o nosso endividamento externo. Nossa soberania está ameaçada.
Depois que o primo saiu, prometendo que na próxima vez traria comida, o ambiente ficou carregado embaixo da ponte. Nossa soberania ameaçada. Puxa. E aquelas outras coisas de que o primo falara. Corrupção nas altas esferas. Ameaça de retrocesso no processo de abertura. Chato!
Quando o primo apareceu de novo, estava vibrando.
- Finalmente! O que vocês esperavam!
- Oba!
Brasílio, a mulher e os doze filhos foram buscar as panelas, gamelas, sacos, canecas, tudo o que podiam para receber a comida. Mas não era comida. Era a notícia da vitória iminente do Tancredo. Houvera um movimento nacional pelas eleições diretas. Depois de um clamor nacional pró Tancredo e contra Maluf. Era o começo de novos tempos!
- Trouxe comida? - perguntou o Brasílio.
Aí o primo se impacientou.
- Todas estas coisas acontecendo no país e você só pensa em comida?!
Do Livro: A Mãe do Freud - Luis Fernando Veríssimo.
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