segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Meditação Sobre o Roubo - José Saramago- Crônica

     Aqueles de nós que leram Os miseráveis nos tempos de outrora (quem tem hoje a paciência de aturar Victor Hugo?), lembram-se de que foi por causa do roubo de um simples pão que Jean Valjean esteve dezenove anos nas galés. Pequenas causas, grandes efeitos. Um espírito objectivo, desses que tudo pesam e medem , escrupulosos até a mínima caspa, dirá que se Jean Valjean tivesse cumprido resignadamente a pena que a sociedade lhe impusera, não teria estado preso mais do que cinco anos. O mal estava na sua rebeldia, na absurda ânsia de liberdade que o levou a tentar fugir por quatro vezes. Enfim, casos tristes.
     Vêm-me estas reflexões a talhe no momento em que reconstituo na memória a minha desamparada deambulação pela grande sala do Museu Britânico que contém as esculturas arrancadas ao Parténon. Digo, desamparada deambulação porque não acredito em suficiência bastante que dê ao visitante um verniz sequer de serenidade. Ou então esse visitante é estúpido.Mesmo um cego, com seus olhos digitais, estremecerá de comoção se passar os dedos pelas figuras antiquíssimas dos frisos e das métopes. Imagine-se pois que o privilégio de uns olhos intactos, ainda que míopes, pode dar.
     Mas eu estava falando de Jean Valjean e do pão que não era seu e que ele roubou. E estou diante das esculturas do Parténon. E tenho a rodear-me o conforto do aquecimento inglês. Mas sinto frio.
     O erro, afinal, está em roubar pouco. Dezenove anos passou Jean Valjean nas galés, e depois que saiu vejam lá quantas desgraças ainda lhe caíram em cima, com aquele patife do Javert a persegui-lo, consoante Victor Hugo nos vai relatando, tintim por tintim. E o Thomas Bruce, diplomata, homem decerto finíssimo, nascido para mal da Grécia, com manhas de salteador, vai e saqueia a Acrópole de Atenas, arranca pedras com dois mil e quinhentos anos, leva tudo para Londres - e ninguém o perseguiu, ninguém lhe fez mal e até pelo contrário, e hoje está na história como um grande homem, ao passo que o Jean Valjean só por causa do pão foi o que se viu, e para não ir mais longe, aí está o nosso José do Telhado que até roubava os ricos para dar aos pobres.
     Digam-me agora como se pode entender este mundo. Vagueio perplexo pela sala enorme e nos primeiros minutos nada consigo ver. Penso continuamente: "Foi isto que eles roubaram? Toda a gente está de acordo? E não se faz nada?Não se institui um tribunal supremo para o julgamento e punição dos grandes latrocínios?Não se dá o seu a seu dono?".Depois(que remédio!) serenei, entreguei-me à contemplação das panateneias e dos cavaleiros, das degoladas figuras dos deuses, das lutas entre os centauros e o lápitas. Dei lentamente duas voltas à sala, sabendo-me cúmplice a partir desse momento, e também consciente das minhas fracas forças, que de todo me impediriam de agir.
     Que poderia eu fazer? Protestar no Hyde Park? organizar um comício em Trafalgar Square? marchar sobre Bucingham Palace? alistar-me no exército secreto do Ira? Eu , pobre português ali perdido, que nem sequer vou reconquistar Olivença? Encolhi os ombros, saí da grande sala, e fui-me às outras colecções com esta insaciável fome de conhecimentos que algumas indigestões intelectuais me tem causado. E vi que tudo lá estava: as esculturas egípcias, as múmias, a pedra de Roseta, os leões assírios de cabeça humana, objectos, armas, utensílios, todo o mundo antigo arrumado e etiquetado - uma exemplar lição de arte e de história que me encheu de respeito pelas cabeças inglesas responsáveis.
     E foi ali que se fez luz no meu turvado espírito. Reparara eu que nos museus ingleses ninguém está à entrada, de bilhetes em riste, a fazer cobrança. Há sim, espalhadas pelas salas umas caixas de tampo de vidro, com ranhadura adequada, aonde o visitante é convidado a lançar a sua oferta, e onde se dá à leitura um aviso que diz destinar-se o dinheiro à compra de obras de arte para o museu. Tudo isto eu vira, e achara curioso e civilizado, sem mais.
    Mas, repito, O Museu Britânico foi a minha Estrada de Damasco. Ali compreendi que os ingleses envergonhados de tanto roubo estimulado ou consentido, procuravam fazer esquecer as suas malfeitorias estendento agora a mão à caridade pública. Compreendi que os coitados viviam atormentados pelos remorsos - e tive pena. Sentimental, com o olho humedecido pela lágrima lusitana, abri o porta-moedas, extraí meia libra generosa e enfiei-me na caixa.
    Depois disto, posso anunciar a toda a gente que a Inglaterra não voltará a cair em tentação. Está a juntar dinheiro para comprar o Museu do Louvre, com todo o recheio. Em boa e devida forma, e pelo seu justo valor.
     Desculpará o leitor a brincadeira: a culpa é deste mundo louco em que ambos somos obrigados a viver.



Meditação sobre o Roubo- José Saramago- Crônica do Livro A Bagagem do Viajante- " Uma viagem pela selva da vida contemporânea.
     

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

MANOELA - Júlio Dantas

     Cinco médicos amigos, reunidos num gabinete do Braganza - o antigo Braganza, que Eça de Queiroz comparava à tristeza opulenta dum pantheón - combinaram contar uns aos outros, durante o jantar, a maior gaffe cometida na sua vida de clínicos. O primeiro - o mais novo - foi o professor. Passou a mão pela barba, umedeceu os lábios com um gole de Champagne, e, brincando com a fita do monóculo, principiou:

     - Não sei se vocês conheceram o dr Valadares, jogador de fundos, muito assíduo na Bôlsa, tipo alto, perfil semita, pernas enormes, uma orquídea vermelha no casaco, umas mãos felpudas e cheias de anéis de brilhantes, "monsieurs qui travaillait dans les femmes du monde"; e de quem se falou muito, em tempo, com a mulher do Conde de Z. Pois bem. Êsse homem, aos cinquenta anos, em seguida a um golpe financeiro infeliz relacionado com a baixa súbita das ações das minas de oiro de Kaslo Slocan, meteu uma bala na cabeça. Sobrevieram acidentes de compressão, e foi preciso operá-lo. Chamou-se o professor F., de quem eu era então um dos internos na clínica hospitalar. A intervenção foi feita em casa do doente, um rico palacete inglês à Buenos Aires ( nem vocês calculam que admirável coleção de potiches da dinastia dos Ming de cinco côres!). O Bruges cloroformizou, e eu ajudei. Trepanamos o homem. Havia um forte derrame sanguíneo intra-craniano. Nos primeiros dias, tudo correu excelentemente. Mas quando já supúnhamos o doente livre de perigo, aparecera, de súbito sintomas terríveis: agitação, febre, convulsões generalizadas, delírio, todo o cortejo duma meningo-encefalite traumática. Mme Valadares - uma dessas mulheres serenas, majestosas, olímpicas, tão raras entre as portuguêsas, mais grandiosa do que bela, mais triste do que distinta - quis que um médico ficasse de noite junto do marido. O escolhido fui eu. Instalei-me num Maple, aos pés da cama, rodeei-me do instrumental necessário, não consenti junto de mim senão uma rapariga belga, bonne dos pequenos, e pedi a Mme Valadares, esgotada por três noites de vigília e de comoções, que se recolhesse um pouco no seu quarto. Condescendeu a ficar sôbre o divã, no escritório, com a condição de que eu iria chamá-la ao menor incidente que se produzisse. Vocês sabem o que são para todos nós, no princípio de nossa carreira, estas longas noites, à cabeceira dos operados, e calculam com que escrupulosa sentimentalidade procuraria desempenhar-me da minha missão - eu, pobre médico inexperiente, que punha ainda no exercício da clínica muito mais coração do que cabeça. As primeiras horas da noite passei-as a pretender conversar com a bonne, uma flamenga de Alost, deslavada e loira, que a tôdas as minhas perguntas respondia invariàvelmente oui ou non. Depois o doente absorveu-me por inteiro. A agitação aumentou, a temperatura subiu a 40 e dois décimos, instalou-se uma hemiplegia esquerda, e o desgraçado, coberto de suor, arquejando numa respiração estertorosa, começou a gemer, a implorar, a chamar:
     - Manoela! Manoela!
     Outro colega, mais calejado do que eu, não se teria ocupado excessivamente com o aspecto sentimental dêsse fait divers, e limitar-se-ia a cumprir, com fria serenidade, o seu dever de médico. Eu impressionei-me, enervei-me, julguei-me na obrigação moral de ser o intérprete da súplica do doente; fiel ao compromisso tomado com Mme Valadares, pedi à bonne que a fôsse chamar; e confesso que não percebi a razão por que a rapariga, impassível e chata como certas Virgens flamengas de Quentin Metzys, me respondeu, franzindo a bôca numa expressão evidentemente repreensiva, como se eu tivesse dito uma inconveniência:
     - Oh! Non, monsieur!
     Ela não quis ir - fui eu . Atravessei um corredor, entrei no escritório. Mme Valadares, que estava encostada num divã com um plaid pelos joelhos, quis saber o que havia. Disse-lhe que o marido a chamava. Ela olhou-me, fixamente, compôs os cabelos, que pareciam mais negros ainda na penumbra doirada da sala, ergueu o seu busto magnífico, digno de amamentar os catorze filhos de Niobe, e perguntou num sorriso doloroso:
     - O doutor está certo disso?
     - Sim, minha senhora. Chamou por V.Exa.
     - Está bem.
     Quando entramos no quarto, Mme Valadares, aproximou-se em silêncio, da cabeceira do moribundo.Êle viu-a, ou sentiu-lhe o perfume, estendeu para ela o braço, que a paralisia não tinha inutilizado, agarrou-lhe a mão, levou-a a bôca, cobriu-a de beijos, e, em delírio, com os olhos vidrados, as lágrimas a rolarem-lhe pelas faces, repetiu, duas, três, muitas vêzes:
     - Manoela! Manoela! Meu amor!
     Não sei se já lhes aconteceu, num dêstes dramas pungentes de família, não compreender a expressão paradoxal de certas fisionomias que rodeiam um doente ou um cadáver.Foi o que me sucedeu a mim diante daquela singular mulher em cuja face dura, ao mesmo tempo dolorosa e soberba, sarcástica e revoltada, eu julguei adivinhar um mundo de contraditórios sentimentos. Durante talvez meia hora, ela conservou-se de pé junto do leito, estátua de orgulho e dor, abandonando as mãos, com visível repugnância, aos beijos do marido. Em seguida, o doente caiu em coma. Mme Valadares libertou pouco a pouco a mão da pressão viscosa do agonizante, encarou-me, baixou ligeiramente a cabeça, e, sem olhar o marido saiu do quarto. Então uma dúvida terrível atravessou-me o espírito.
     - Madame Valadares não se chama Manoela? - perguntei à bonne, cuja cabeça dum loiro quase branco, vigiava da sombra.
     - Non, Monsieur, Madame s'appelle Jeanne.
     Compreendi tudo, meus amigos. Tinha feito a minha primeira gaffe. Manoela - soube-o depois era a encantadora mulher do Conde de Z, que endoideceu meia Lisboa, e que anda agora por aí, velha, quase cega, vestida de luto, encostada a uma bengala."



Júlio Dantas, escritor português, nascido em 1877. É o autor da famosa "Ceia dos Cardeais" e de "Rosas de todo o ano". Iniciou-se na vida literária com a poesia. Em 1806, escreveu o livro de poesias "Nada". Em prosa, deixou uma série de livros: "Apolo", "Espadas e Rosas", "Como elas Amam". Dedicou-se também ao teatro. Algumas de suas peças são: " O que morreu de amor", " Viriato Trágico", D.João Tenório". " Manoela é um pequenino conto, que se encontra no livro "Abelhas Doiradas".
     

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

SE - Rudyard Kipling

                                                                                                                                                                   

Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando
e para esses no entanto achar uma desculpa;

Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso;

Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires,
de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a desgraça e o triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores;

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, porque deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste;

Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.

De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade;

Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho;
Tua é a Terra com tudo que existe no mundo,
e o que ainda é muito mais - tu és um Homem, meu filho!


Rudyard Kipling - Prêmio Nobel de Literatura de 1907- Contista, romancista, poeta, jornalista. Nasceu em Bombaim em 1865.


sábado, 5 de novembro de 2011

Punhados de: As Intermitências da Morte - José Saramago-

   
                                           Gabriel Orozco- Black Kites, 1997
                                                                       




No dia seguinte ninguém morreu.O facto, por absolutamente contrário às normas da vida, causou nos espíritos uma perturbação enorme, efeito em todos os aspectos justificado, basta que nos lembremos de que não havia notícia nos quarenta volumes da história universal, nem ao menos um caso para amostra, de ter alguma vez ocorrido fenómeno semelhante, passar-se um dia completo, com todas as suas pródigas vinte e quatro horas, contadas entre diurnas e nocturnas, matutinas e vespertinas, sem que tivesse sucedido um falecimento por doença, uma queda mortal, um suicídio levado a bom fim, nada de nada, pela palavra nada. Nem sequer um daqueles acidente de automóvel tão frequentes em ocasiões festivas, quando a alegre irresponsabilidade e o excesso de álcool se desafiam mutuamente nas estradas para decidir sobre quem vai conseguir chegar à morte em primeiro lugar.
     [......] A tarde já ia muito adiantada quando começou a correr o rumor de que, desde a entrada de novo ano, mais precisamente desde as zero horas deste dia um de janeiro em que estamos, não havia constância de se ter dado em todo o país um só falecimento que fosse.
     [......] Embora a palavra crise não seja certamente a mais apropriada para caracterizar os singularíssimos sucessos que temos vindo a narrar, porquanto seria absurdo, incongruente e atentatório da lógica mais ordinária falar-se de crise numa situação existencial justamente privilegiada pela ausência da morte, compreende-se que alguns cidadãos, zelosos do seu direito a uma informação veraz, andem a perguntar-se a si mesmos, e uns aos outros, que diabo se passa com o governo, que até agora não deu o menor sinal de vida.É certo que o ministro da saúde, interpelado à passagem no breve intervalo entre duas reuniões, havia explicado aos jornalistas, que, tendo em consideração a falta de elementos suficientes de juízo, qualquer declaração oficial seria forçosamente prematura. Estamos a coligir as informações que nos chegam de todo o país, acrescentou, e realmente em nenhuma delas há menção de falecimentos, mas é fácil imaginar que, colhidos de surpresa como toda a gente, ainda não estejamos preparados para enunciar uma primeira ideia sobre as origens do fenómeno e sobre as suas implicações, tanto as imediatas como as futuras.
     [.....] Nem tudo é festa, porém, ao lado de uns quantos que riem, sempre haverá outros que chorem, e às vezes, como no presente caso, pelas mesmas razões. Importantes sectores profissionais seriamente preocupados com a situação, já começaram a fazer chegar a quem de direito a expressão do seu descontentamento. Como seria de esperar, as primeiras e formais reclamações vieram das empresas do negócio funerário. Brutalmente desprovidos da sua matéria-prima, os proprietários começaram por fazer o gesto clássico de levar as mãos à cabeça, gemendo em carpideiro coro.E agora que irá ser de nós, mas logo perante a perspectiva de uma catastrófica falência que a ninguém do grémio fúnero pouparia, convocaram a assembleia geral da classe, ao fim da qual, após acaloradas discussões, todas elas improdutivas porque todas sem excepção, iam dar com a cabeça no muro indestrutível da falta de colaboração da morte, essa a que se haviam habituado, de pais a filhos, como algo que por natureza lhes era devido, aprovaram um documento a submeter à consideração do governo da nação, o qual documento adoptava a única proposta construtiva, construtiva sim, mas também hilariante, que havia sido apresentada a debate. Vão-se rir de nós, avisou o presidente da mesa, mas reconheço que não temos outra saída, ou é isto ou será a ruína do sector. Informava pois o documento que, reunidos em assembleia geral extraordinária para examinar a gravíssima crise com que se estavam debatendo por motivo da falta de falecimentos em todo o país, os representantes das agências funerárias, depois de uma intensa e participada análise, durante a qual sempre havia imperado o respeito pelos supremos interesses da nação, tinham chegado à conclusão de que ainda era possível evitar as dramáticas consequências do que sem dúvida irá passar à história como a pior calamidade colectiva que nos caiu em cima desde a fundação da nacionalidade, isto é, que o governo decida tornar obrigatórios o enterramento ou a incineração de todos os animais domésticos que venham a defuntar de morte natural ou por acidente, e que tal enterramento ou tal incineração, regulamentados e aprovados, sejam obrigatoriamente levados a cabo pela indústria funerária, tendo em contra as meritórias provas prestadas no passado como autêntico serviço público que têm sido, no sentido mais profundo da expressão, gerações após gerações.O documento continuava. Solicitamos ainda a melhor atenção do governo para o facto de que a indispensável reconversão da indústria não será viável sem vultosos investimentos, pois não é a mesma cousa sepultar um ser humano e levar à última morada um gato ou um canário, e porque não dizer um elefante de circo ou um crocodilo de banheira, sendo portanto necessário reformular de alto a  baixo o nosso know how tradicional, servindo de providencial apoio a esta indispensável actualização a experiência já adquirida desde a oficialização dos cemitérios para animais, ou seja, aquilo que até agora não havia passado de uma intervenção marginal da nossa indústria, ainda que, não o negamos, bastante lucrativa, torna-se-ia em actividade exclusiva, evitando-se assim, na medida do possível, o despedimento de centenas senão milhares de abnegados e valorosos trabalhadores que em todos os dias da sua vida enfrentaram corajosamente a imagem terrível da morte e a quem a mesma morte volta agora imerecidamente as costas.



As Intermitências da Morte - José Saramago- De repente, a morte suspendeu suas atividades no país. A nação se embandeirou; tinha sido escolhida para a imortalidade, depois de milênios de sofrimento e sujeição à "indesejada das gentes". Ano Novo, vida eterna, pois desde 1º de janeiro ninguém mais morria nesse estranho canto do mundo inventado por José Saramago, uma fábula sobre os caprichos da figura macabra e ossuda que segura os fios da vida de cada um. Companhia das Letras-2006