domingo, 27 de junho de 2010

SABOR DE TERRA


      Quando colocou os pés fora da porta, sentiu  o suor lhe escorregar corpo adentro, os pingos da chuva crepitavam, loucos, inquietos, lavando seu ardor. Virou a cara retinta de frente para a chuvada melosa, que fazia uma mistura incrível com o odor de sua pele. Os passos tateavam o terreno pedregoso, escorregadio, as pedras exalam vapores que se contorcem ao longe, mas o solado dos pés é espesso pelo tempo.
       Antonio pensa, quantas vezes foi, voltou, veio e se foi, e lá da cidade não tinha tanto o que recordar, senão aquele morenaço de coxas grossas e negras, os cabelos crespos e compridos, un coup de foudre, que lhe deixava as noites mais densas de vida. É que Mariana trabalhava em casa de família, tinha salário e comida certa e não quis se jogar com ele -neste pedaço de fim de mundo-, era como ela falava.
       Assentado, estavam ele e mais outros, há muito tempo, o sonho do torrão todos os dias lhe acorda para o trabalho, a casa se é que se pode dizer, nem água, nem luz, somente a expectativa de um novo amanhecer.
       Mas algo enraizou, desde a infância, seus pais trabalhavam a terra, sempre dela tiraram o seu sustento, mas quando ele cresceu teve que ir para a cidade, procurar emprego "pra melhorar". Dali em frente virou um zumbi que não tinha um lugar para assentar o seu couro, jogado pra lá e pra cá, o dinheiro não dava pro aluguel e nem pra comer, bóia fria, bóia quente, rolando de cortiço em cortiço, de favela em favela.Mas ainda restou um tempo, para estudar, para ler, até mesmo para escrever, o que lhe trouxe esta extrema inquietude e gerou sua pertinácia.
       A enxada que faz o seu sulco com força, ajunta nele todo o respeito, toda a consciência de homem, esculpindo o corpo e a mente. Ele adormece fatigado e lasso,  um homem completamente integrado na terra, neste ecossistema que alimenta a todos, havia agora algo em sua vida, sagrado.
      Mariana vem de vez em quando, o vento, o cheiro do estrume, a lenha queimando no fogão e aquele corpo, que sempre parece ter algo de novo, na sua ausência a sua alma preenche o vazio.
      As noites são curta metragem, mas sob o facho do lampião lê e relê o livro que tirou da biblioteca da escola. Talvez se fosse um homem de letras, ia se dedicar a contar estas histórias, que muitas vezes quando estão todos juntos, as conta, histórias que passam de um para outro e se modificam :"alimentando-se basicamente de mel silvestre, palmitos e farinha de pinhão, levaram cerca de quatro meses desde cá até onde agora é o Paraguai, essas trilhas se juntavam ao rio Peabiru e cruzando pelas nascentes dos rios Tibaji, Ivai e Piquiri, seguiam pela margem direita do rio Iguaçu, até sua foz no rio Paraná.[.....].e índios extremamente ferozes, que ficaram conhecidos como piratas do rio Paraguai aterrorizando os viajantes".
      Aqui não se tem a sede do consumo, é só o necessário, eu não fui arremessado neste lugar eu vim.

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