Nunca vou me esquecer da primeira vez que li Rubem Fonseca. Sei o dia exato, a hora, a temperatura, o ângulo em que o sol batia num certo café de Sabana Grande, durante as últimas semanas do meu exílio e Caracas. Estava sentado em uma mesa junto à calçada, esperando por um professor de inglês que me dava aulas de conversação às vésperas de uma longa viagem[......].Foi assim que Feliz ano novo, me caiu nas mãos. Depois que entrei na atomosfera banal de "Passeio noturno (Parte I), por trás da qual se escutam os tambores do inferno, nada foi igual para mim. Essas poucas páginas bastaram para o universo de Fonseca tatuar minha alma com a malignidade de uma planta carnívora e a destreza de uma ave de rapina.[....]. Fonseca instala o medo ou o Mal no próprio interior da linguagem, cada uma das suas palavras é como uma nota musical arrancada da sinfonia do Mal.A exemplo dos poetas ele faz as palavras tocarem a borda extrema de seus sentidos. Lendo-o, sente-se o poder de dissuasão ou de perversão que até a mais surrada palavra pode comportar.[....].
Diante de cada relato de Fonseca, lembrei-me dos extremos de individualismo e amoralidade pregados por William Faulkner em uma entrevista à The Paris Review". "O artista só é responsável perante sua obra.Se for um bom artista, será completamente desumano. Ele tem um sonho, e esse sonho lhe provoca tamanha angústia que deve se livrar dele. Enquanto não o fizer, não terá paz. Joga tudo pela janela: honra, orgulho, decencia, segurança, felicidade, tudo. Tudo para escrever seu livro". Essas palavras são escandalosas, mas não despropositadas: no horizonte da história, os homens acabam sendo sua obra antes que eles mesmos.[...]. Não existe veneno mais letal para a criação que o pudor e a vergonha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário