sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A Jesus Nosso Senhor - Gregório de Matos

Pequei Senhor: mas não porque hei pecado,
Da vossa alta piedade me despido:
Antes, quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida, já cobrada,
Glória tal, e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na Sacra História,

Eu sou, Senhor, ovelha desgarrada;
Cobrai-a; e não queirais, Pastor Divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.


Gregório de Matos Guerra ( 1623 - 1696) - Nasceu em Salvador, passou a infância na Bahia e doutorou-se em leis em Coimbra. Sua veia satírica valeu-lhe a alcunha de "Boca do Inferno". Chegou a ser deportado para Angola, mas conseguiu voltar, indo viver no Recife, onde retomou seu modo de vida habitual, zombando de tudo e de todos . Escreveu poesias líricas, religiosas e satíricas, cronologicamente o primeiro poeta satírico brasileiro.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Punhados de: A Maçã no Escuro - Clarice Lispector

    [.....] Mas quando aquele homem chegou ao alto da encosta  - como se tivesse enfim captado uma ilusão perseguida a vida inteira e tocado na sua própria embriaguez, subitamente capturado por um redemoinho de finíssima alegria - o ar se abria em vento turbilhonante e livre. E ele se achou em pleno alarido que era tão inapreensível como se este fosse o som do poente.
     Ele não errara, pois! O que era? era o vento apenas. O que era? mas era o alto de uma montanha. Seu coração bateu como se ele o tivesse engolido. Ele, o homem, desembarcara.
     Era uma atmosfera de júbilo. De vazio e vertiginoso júbilo, como acontece inexplicavelmente a um homem no alto de uma montanha. Ele nunca estivera tão perto da promessa que parece ter sido feita a uma pessoa quando esta nasce. Estupidificado, ele abriu várias vezes a boca como um peixe. Parecia ter atingido aquela coisa que uma pessoa não sabe pedir. Aquela coisa a que obscuramente ele só poderia dizer: consegui. Como se tivesse provocado o mais fundo de uma realidade imaginada.Às vezes a pessoa estava tão ávida por uma coisa, que esta acontecia, e assim se formava o destino dos instantes, e a realidade do que esperamos: seu coração, ansioso por bater amplo, batia amplo. E como para um pioneiro pisando pela primeira vez em terra estranha, o vento cantava alto e magnífico.
     Com que sentido o homem cansado o percebeu, não se sabe dizer, talvez com a aguda sede e com sua derradeira desistência e com a nudez de sua incompreensão: mas havia júbilo no ar. Que na verdade lhe foi tão inassimilável quanto aquele azul quase inventado do céu e que, como todo azul suavíssimo, terminou por tonteá-lo em glória tola e em nobre glória. A armadura interior do homem faiscou. Inatingível, sim, mas havia júbilo no ar como lhe tinha sido prometido alguma vez em procissões ou em algum rosto quieto de mulher ou na idéia de um dia alcançar que termina por precipitar o alcance. E àquele homem, que era um exagerado, pareceu que por assim dizer trabalhara duramente para chegar a essa coisa valiosa e inútil. Seria um sorriso imbecil o seu, se um espelho o refletisse.
     Foi então que Martim percebeu que estivera andando no planalto imenso de uma serrania, cujas primeiras ingremidades ele certamente havia galgado durante a noite, julgando dificuldade sua o que fora a dificuldade de uma subida nas trevas; e mais tarde, tomando como cansaço seu o que na verdade fora uma aproximação gradativa do sol. Mas o que importava é que ele chegara.[......].




A Maçã no Escuro - Clarice Lispector - É um romance dos anos 50, só foi publicado em 1961.Clarice nasceu na Ucrânia , chegando ao Brasil com dois meses de idade. Faleceu em dezembro de 1977.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Meditação Sobre o Roubo - José Saramago- Crônica

     Aqueles de nós que leram Os miseráveis nos tempos de outrora (quem tem hoje a paciência de aturar Victor Hugo?), lembram-se de que foi por causa do roubo de um simples pão que Jean Valjean esteve dezenove anos nas galés. Pequenas causas, grandes efeitos. Um espírito objectivo, desses que tudo pesam e medem , escrupulosos até a mínima caspa, dirá que se Jean Valjean tivesse cumprido resignadamente a pena que a sociedade lhe impusera, não teria estado preso mais do que cinco anos. O mal estava na sua rebeldia, na absurda ânsia de liberdade que o levou a tentar fugir por quatro vezes. Enfim, casos tristes.
     Vêm-me estas reflexões a talhe no momento em que reconstituo na memória a minha desamparada deambulação pela grande sala do Museu Britânico que contém as esculturas arrancadas ao Parténon. Digo, desamparada deambulação porque não acredito em suficiência bastante que dê ao visitante um verniz sequer de serenidade. Ou então esse visitante é estúpido.Mesmo um cego, com seus olhos digitais, estremecerá de comoção se passar os dedos pelas figuras antiquíssimas dos frisos e das métopes. Imagine-se pois que o privilégio de uns olhos intactos, ainda que míopes, pode dar.
     Mas eu estava falando de Jean Valjean e do pão que não era seu e que ele roubou. E estou diante das esculturas do Parténon. E tenho a rodear-me o conforto do aquecimento inglês. Mas sinto frio.
     O erro, afinal, está em roubar pouco. Dezenove anos passou Jean Valjean nas galés, e depois que saiu vejam lá quantas desgraças ainda lhe caíram em cima, com aquele patife do Javert a persegui-lo, consoante Victor Hugo nos vai relatando, tintim por tintim. E o Thomas Bruce, diplomata, homem decerto finíssimo, nascido para mal da Grécia, com manhas de salteador, vai e saqueia a Acrópole de Atenas, arranca pedras com dois mil e quinhentos anos, leva tudo para Londres - e ninguém o perseguiu, ninguém lhe fez mal e até pelo contrário, e hoje está na história como um grande homem, ao passo que o Jean Valjean só por causa do pão foi o que se viu, e para não ir mais longe, aí está o nosso José do Telhado que até roubava os ricos para dar aos pobres.
     Digam-me agora como se pode entender este mundo. Vagueio perplexo pela sala enorme e nos primeiros minutos nada consigo ver. Penso continuamente: "Foi isto que eles roubaram? Toda a gente está de acordo? E não se faz nada?Não se institui um tribunal supremo para o julgamento e punição dos grandes latrocínios?Não se dá o seu a seu dono?".Depois(que remédio!) serenei, entreguei-me à contemplação das panateneias e dos cavaleiros, das degoladas figuras dos deuses, das lutas entre os centauros e o lápitas. Dei lentamente duas voltas à sala, sabendo-me cúmplice a partir desse momento, e também consciente das minhas fracas forças, que de todo me impediriam de agir.
     Que poderia eu fazer? Protestar no Hyde Park? organizar um comício em Trafalgar Square? marchar sobre Bucingham Palace? alistar-me no exército secreto do Ira? Eu , pobre português ali perdido, que nem sequer vou reconquistar Olivença? Encolhi os ombros, saí da grande sala, e fui-me às outras colecções com esta insaciável fome de conhecimentos que algumas indigestões intelectuais me tem causado. E vi que tudo lá estava: as esculturas egípcias, as múmias, a pedra de Roseta, os leões assírios de cabeça humana, objectos, armas, utensílios, todo o mundo antigo arrumado e etiquetado - uma exemplar lição de arte e de história que me encheu de respeito pelas cabeças inglesas responsáveis.
     E foi ali que se fez luz no meu turvado espírito. Reparara eu que nos museus ingleses ninguém está à entrada, de bilhetes em riste, a fazer cobrança. Há sim, espalhadas pelas salas umas caixas de tampo de vidro, com ranhadura adequada, aonde o visitante é convidado a lançar a sua oferta, e onde se dá à leitura um aviso que diz destinar-se o dinheiro à compra de obras de arte para o museu. Tudo isto eu vira, e achara curioso e civilizado, sem mais.
    Mas, repito, O Museu Britânico foi a minha Estrada de Damasco. Ali compreendi que os ingleses envergonhados de tanto roubo estimulado ou consentido, procuravam fazer esquecer as suas malfeitorias estendento agora a mão à caridade pública. Compreendi que os coitados viviam atormentados pelos remorsos - e tive pena. Sentimental, com o olho humedecido pela lágrima lusitana, abri o porta-moedas, extraí meia libra generosa e enfiei-me na caixa.
    Depois disto, posso anunciar a toda a gente que a Inglaterra não voltará a cair em tentação. Está a juntar dinheiro para comprar o Museu do Louvre, com todo o recheio. Em boa e devida forma, e pelo seu justo valor.
     Desculpará o leitor a brincadeira: a culpa é deste mundo louco em que ambos somos obrigados a viver.



Meditação sobre o Roubo- José Saramago- Crônica do Livro A Bagagem do Viajante- " Uma viagem pela selva da vida contemporânea.
     

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

MANOELA - Júlio Dantas

     Cinco médicos amigos, reunidos num gabinete do Braganza - o antigo Braganza, que Eça de Queiroz comparava à tristeza opulenta dum pantheón - combinaram contar uns aos outros, durante o jantar, a maior gaffe cometida na sua vida de clínicos. O primeiro - o mais novo - foi o professor. Passou a mão pela barba, umedeceu os lábios com um gole de Champagne, e, brincando com a fita do monóculo, principiou:

     - Não sei se vocês conheceram o dr Valadares, jogador de fundos, muito assíduo na Bôlsa, tipo alto, perfil semita, pernas enormes, uma orquídea vermelha no casaco, umas mãos felpudas e cheias de anéis de brilhantes, "monsieurs qui travaillait dans les femmes du monde"; e de quem se falou muito, em tempo, com a mulher do Conde de Z. Pois bem. Êsse homem, aos cinquenta anos, em seguida a um golpe financeiro infeliz relacionado com a baixa súbita das ações das minas de oiro de Kaslo Slocan, meteu uma bala na cabeça. Sobrevieram acidentes de compressão, e foi preciso operá-lo. Chamou-se o professor F., de quem eu era então um dos internos na clínica hospitalar. A intervenção foi feita em casa do doente, um rico palacete inglês à Buenos Aires ( nem vocês calculam que admirável coleção de potiches da dinastia dos Ming de cinco côres!). O Bruges cloroformizou, e eu ajudei. Trepanamos o homem. Havia um forte derrame sanguíneo intra-craniano. Nos primeiros dias, tudo correu excelentemente. Mas quando já supúnhamos o doente livre de perigo, aparecera, de súbito sintomas terríveis: agitação, febre, convulsões generalizadas, delírio, todo o cortejo duma meningo-encefalite traumática. Mme Valadares - uma dessas mulheres serenas, majestosas, olímpicas, tão raras entre as portuguêsas, mais grandiosa do que bela, mais triste do que distinta - quis que um médico ficasse de noite junto do marido. O escolhido fui eu. Instalei-me num Maple, aos pés da cama, rodeei-me do instrumental necessário, não consenti junto de mim senão uma rapariga belga, bonne dos pequenos, e pedi a Mme Valadares, esgotada por três noites de vigília e de comoções, que se recolhesse um pouco no seu quarto. Condescendeu a ficar sôbre o divã, no escritório, com a condição de que eu iria chamá-la ao menor incidente que se produzisse. Vocês sabem o que são para todos nós, no princípio de nossa carreira, estas longas noites, à cabeceira dos operados, e calculam com que escrupulosa sentimentalidade procuraria desempenhar-me da minha missão - eu, pobre médico inexperiente, que punha ainda no exercício da clínica muito mais coração do que cabeça. As primeiras horas da noite passei-as a pretender conversar com a bonne, uma flamenga de Alost, deslavada e loira, que a tôdas as minhas perguntas respondia invariàvelmente oui ou non. Depois o doente absorveu-me por inteiro. A agitação aumentou, a temperatura subiu a 40 e dois décimos, instalou-se uma hemiplegia esquerda, e o desgraçado, coberto de suor, arquejando numa respiração estertorosa, começou a gemer, a implorar, a chamar:
     - Manoela! Manoela!
     Outro colega, mais calejado do que eu, não se teria ocupado excessivamente com o aspecto sentimental dêsse fait divers, e limitar-se-ia a cumprir, com fria serenidade, o seu dever de médico. Eu impressionei-me, enervei-me, julguei-me na obrigação moral de ser o intérprete da súplica do doente; fiel ao compromisso tomado com Mme Valadares, pedi à bonne que a fôsse chamar; e confesso que não percebi a razão por que a rapariga, impassível e chata como certas Virgens flamengas de Quentin Metzys, me respondeu, franzindo a bôca numa expressão evidentemente repreensiva, como se eu tivesse dito uma inconveniência:
     - Oh! Non, monsieur!
     Ela não quis ir - fui eu . Atravessei um corredor, entrei no escritório. Mme Valadares, que estava encostada num divã com um plaid pelos joelhos, quis saber o que havia. Disse-lhe que o marido a chamava. Ela olhou-me, fixamente, compôs os cabelos, que pareciam mais negros ainda na penumbra doirada da sala, ergueu o seu busto magnífico, digno de amamentar os catorze filhos de Niobe, e perguntou num sorriso doloroso:
     - O doutor está certo disso?
     - Sim, minha senhora. Chamou por V.Exa.
     - Está bem.
     Quando entramos no quarto, Mme Valadares, aproximou-se em silêncio, da cabeceira do moribundo.Êle viu-a, ou sentiu-lhe o perfume, estendeu para ela o braço, que a paralisia não tinha inutilizado, agarrou-lhe a mão, levou-a a bôca, cobriu-a de beijos, e, em delírio, com os olhos vidrados, as lágrimas a rolarem-lhe pelas faces, repetiu, duas, três, muitas vêzes:
     - Manoela! Manoela! Meu amor!
     Não sei se já lhes aconteceu, num dêstes dramas pungentes de família, não compreender a expressão paradoxal de certas fisionomias que rodeiam um doente ou um cadáver.Foi o que me sucedeu a mim diante daquela singular mulher em cuja face dura, ao mesmo tempo dolorosa e soberba, sarcástica e revoltada, eu julguei adivinhar um mundo de contraditórios sentimentos. Durante talvez meia hora, ela conservou-se de pé junto do leito, estátua de orgulho e dor, abandonando as mãos, com visível repugnância, aos beijos do marido. Em seguida, o doente caiu em coma. Mme Valadares libertou pouco a pouco a mão da pressão viscosa do agonizante, encarou-me, baixou ligeiramente a cabeça, e, sem olhar o marido saiu do quarto. Então uma dúvida terrível atravessou-me o espírito.
     - Madame Valadares não se chama Manoela? - perguntei à bonne, cuja cabeça dum loiro quase branco, vigiava da sombra.
     - Non, Monsieur, Madame s'appelle Jeanne.
     Compreendi tudo, meus amigos. Tinha feito a minha primeira gaffe. Manoela - soube-o depois era a encantadora mulher do Conde de Z, que endoideceu meia Lisboa, e que anda agora por aí, velha, quase cega, vestida de luto, encostada a uma bengala."



Júlio Dantas, escritor português, nascido em 1877. É o autor da famosa "Ceia dos Cardeais" e de "Rosas de todo o ano". Iniciou-se na vida literária com a poesia. Em 1806, escreveu o livro de poesias "Nada". Em prosa, deixou uma série de livros: "Apolo", "Espadas e Rosas", "Como elas Amam". Dedicou-se também ao teatro. Algumas de suas peças são: " O que morreu de amor", " Viriato Trágico", D.João Tenório". " Manoela é um pequenino conto, que se encontra no livro "Abelhas Doiradas".
     

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

SE - Rudyard Kipling

                                                                                                                                                                   

Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando
e para esses no entanto achar uma desculpa;

Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso;

Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires,
de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a desgraça e o triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores;

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, porque deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste;

Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.

De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade;

Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho;
Tua é a Terra com tudo que existe no mundo,
e o que ainda é muito mais - tu és um Homem, meu filho!


Rudyard Kipling - Prêmio Nobel de Literatura de 1907- Contista, romancista, poeta, jornalista. Nasceu em Bombaim em 1865.


sábado, 5 de novembro de 2011

Punhados de: As Intermitências da Morte - José Saramago-

   
                                           Gabriel Orozco- Black Kites, 1997
                                                                       




No dia seguinte ninguém morreu.O facto, por absolutamente contrário às normas da vida, causou nos espíritos uma perturbação enorme, efeito em todos os aspectos justificado, basta que nos lembremos de que não havia notícia nos quarenta volumes da história universal, nem ao menos um caso para amostra, de ter alguma vez ocorrido fenómeno semelhante, passar-se um dia completo, com todas as suas pródigas vinte e quatro horas, contadas entre diurnas e nocturnas, matutinas e vespertinas, sem que tivesse sucedido um falecimento por doença, uma queda mortal, um suicídio levado a bom fim, nada de nada, pela palavra nada. Nem sequer um daqueles acidente de automóvel tão frequentes em ocasiões festivas, quando a alegre irresponsabilidade e o excesso de álcool se desafiam mutuamente nas estradas para decidir sobre quem vai conseguir chegar à morte em primeiro lugar.
     [......] A tarde já ia muito adiantada quando começou a correr o rumor de que, desde a entrada de novo ano, mais precisamente desde as zero horas deste dia um de janeiro em que estamos, não havia constância de se ter dado em todo o país um só falecimento que fosse.
     [......] Embora a palavra crise não seja certamente a mais apropriada para caracterizar os singularíssimos sucessos que temos vindo a narrar, porquanto seria absurdo, incongruente e atentatório da lógica mais ordinária falar-se de crise numa situação existencial justamente privilegiada pela ausência da morte, compreende-se que alguns cidadãos, zelosos do seu direito a uma informação veraz, andem a perguntar-se a si mesmos, e uns aos outros, que diabo se passa com o governo, que até agora não deu o menor sinal de vida.É certo que o ministro da saúde, interpelado à passagem no breve intervalo entre duas reuniões, havia explicado aos jornalistas, que, tendo em consideração a falta de elementos suficientes de juízo, qualquer declaração oficial seria forçosamente prematura. Estamos a coligir as informações que nos chegam de todo o país, acrescentou, e realmente em nenhuma delas há menção de falecimentos, mas é fácil imaginar que, colhidos de surpresa como toda a gente, ainda não estejamos preparados para enunciar uma primeira ideia sobre as origens do fenómeno e sobre as suas implicações, tanto as imediatas como as futuras.
     [.....] Nem tudo é festa, porém, ao lado de uns quantos que riem, sempre haverá outros que chorem, e às vezes, como no presente caso, pelas mesmas razões. Importantes sectores profissionais seriamente preocupados com a situação, já começaram a fazer chegar a quem de direito a expressão do seu descontentamento. Como seria de esperar, as primeiras e formais reclamações vieram das empresas do negócio funerário. Brutalmente desprovidos da sua matéria-prima, os proprietários começaram por fazer o gesto clássico de levar as mãos à cabeça, gemendo em carpideiro coro.E agora que irá ser de nós, mas logo perante a perspectiva de uma catastrófica falência que a ninguém do grémio fúnero pouparia, convocaram a assembleia geral da classe, ao fim da qual, após acaloradas discussões, todas elas improdutivas porque todas sem excepção, iam dar com a cabeça no muro indestrutível da falta de colaboração da morte, essa a que se haviam habituado, de pais a filhos, como algo que por natureza lhes era devido, aprovaram um documento a submeter à consideração do governo da nação, o qual documento adoptava a única proposta construtiva, construtiva sim, mas também hilariante, que havia sido apresentada a debate. Vão-se rir de nós, avisou o presidente da mesa, mas reconheço que não temos outra saída, ou é isto ou será a ruína do sector. Informava pois o documento que, reunidos em assembleia geral extraordinária para examinar a gravíssima crise com que se estavam debatendo por motivo da falta de falecimentos em todo o país, os representantes das agências funerárias, depois de uma intensa e participada análise, durante a qual sempre havia imperado o respeito pelos supremos interesses da nação, tinham chegado à conclusão de que ainda era possível evitar as dramáticas consequências do que sem dúvida irá passar à história como a pior calamidade colectiva que nos caiu em cima desde a fundação da nacionalidade, isto é, que o governo decida tornar obrigatórios o enterramento ou a incineração de todos os animais domésticos que venham a defuntar de morte natural ou por acidente, e que tal enterramento ou tal incineração, regulamentados e aprovados, sejam obrigatoriamente levados a cabo pela indústria funerária, tendo em contra as meritórias provas prestadas no passado como autêntico serviço público que têm sido, no sentido mais profundo da expressão, gerações após gerações.O documento continuava. Solicitamos ainda a melhor atenção do governo para o facto de que a indispensável reconversão da indústria não será viável sem vultosos investimentos, pois não é a mesma cousa sepultar um ser humano e levar à última morada um gato ou um canário, e porque não dizer um elefante de circo ou um crocodilo de banheira, sendo portanto necessário reformular de alto a  baixo o nosso know how tradicional, servindo de providencial apoio a esta indispensável actualização a experiência já adquirida desde a oficialização dos cemitérios para animais, ou seja, aquilo que até agora não havia passado de uma intervenção marginal da nossa indústria, ainda que, não o negamos, bastante lucrativa, torna-se-ia em actividade exclusiva, evitando-se assim, na medida do possível, o despedimento de centenas senão milhares de abnegados e valorosos trabalhadores que em todos os dias da sua vida enfrentaram corajosamente a imagem terrível da morte e a quem a mesma morte volta agora imerecidamente as costas.



As Intermitências da Morte - José Saramago- De repente, a morte suspendeu suas atividades no país. A nação se embandeirou; tinha sido escolhida para a imortalidade, depois de milênios de sofrimento e sujeição à "indesejada das gentes". Ano Novo, vida eterna, pois desde 1º de janeiro ninguém mais morria nesse estranho canto do mundo inventado por José Saramago, uma fábula sobre os caprichos da figura macabra e ossuda que segura os fios da vida de cada um. Companhia das Letras-2006

  

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Justiça seja feita - Luis Fernando Veríssimo

     Justiça seja feita: o primo nunca abandonou o Brasílio. Mesmo quando o Brasílio morava na roça com a mulher e os três filhos, em Quintos, parte da Grande Cafundó, e não tinha o que comer, o primo ia visitá-lo para levar notícias. O Brasílio preferia que o primo levasse comida, talvez um dinheirinho, mas o primo sempre dizia que na próxima vez levaria. Novidades é que não faltavam. Em abril de 64, por exemplo, o primo chegou anunciando que trazia uma grande alegria para todos. A família do Brasílio se reuniu, pensando que fosse carne, mas era uma notícia:
     - O Brasil está livre dos comunistas!
     O primo contou tudo o que acontecera, com grande admiração, e se despediu dizendo que na próxima vez traria um feijãozinho. As crianças ficaram brincando de mocinho e comunista no quintal para disfarçar a fome. E naquela noite, antes de dormir, o Brasílio comentou com a mulher que as coisas podiam ir mal, mas pelo menos não pairava mais sobre suas cabeças a ameaça do anarco sindicalismo.
     Na sua visita seguinte o primo chegou um pouco desanimado. Não estava gostando dos rumos que tomava a Revolução, aparentemente dominada por setores reacionários que representavam uma ameaça às liberdades públicas. Começaria um período de arbítrio e obscurantismo, o que assustou as crianças. O Brasílio perguntou se o primo trouxera o feijãozinho, e o primo, já na porta, se desculpou:
     - Ando tão preocupado com as instituições que esqueci.
     Brasílio e a família - mulher e seis filhos - tiveram que ir para a cidade, procurar emprego, e a visita seguinte do primo já foi no barraco. O primo estava eufórico. Estava acontecendo um milagre  econômico no Brasil. Era o país que mais crescia no mundo. Em breve, como dizia o Delfim, o bolo seria repartido entre todos. A família do Brasílio começou a salivar e o primo pensou que fosse de orgulho pelo PIB. Depois deu um tapa na testa. Com toda aquela agitação, Copa do Mundo e tudo, esquecera de trazer comida. Ficava para a próxima visita.
     O primo teve alguma dificuldade para encontrar Brasílio, a mulher e os nove filhos para visitá-los, depois que foram despejados do barraco. Finalmente encontrou a ponte certa. Chegou dizendo que viera compartilhar uma coisa com eles.
     - Comida?
     - Não. Minha angústia com o nosso endividamento externo. Nossa soberania está ameaçada.
     Depois que o primo saiu, prometendo que na próxima vez traria comida, o ambiente ficou carregado embaixo da ponte. Nossa soberania ameaçada. Puxa. E aquelas outras coisas de que o primo falara. Corrupção nas altas esferas. Ameaça de retrocesso no processo de abertura. Chato!
     Quando o primo apareceu de novo, estava vibrando.
     - Finalmente! O que vocês esperavam!
     - Oba!
     Brasílio, a mulher e os doze filhos foram buscar as panelas, gamelas, sacos, canecas, tudo o que podiam para receber a comida. Mas não era comida. Era a notícia da vitória iminente do Tancredo. Houvera um movimento nacional pelas eleições diretas. Depois de um clamor nacional pró Tancredo e contra Maluf. Era o começo de novos tempos!
     - Trouxe comida? - perguntou o Brasílio.
     Aí o primo se impacientou.
     - Todas estas coisas acontecendo no país e você só pensa em comida?!


Do Livro: A Mãe do Freud - Luis Fernando Veríssimo.

sábado, 1 de outubro de 2011

As Pastoras - Do Livro a Velha Guarda da Portela- João Baptista M.Vargens e Carlos Monte

     Provei do famoso feijão da Vicentina
     Só quem é da Portela
     É que sabe que a coisa é divina.
Paulinho de Viola
   
     AS PASTORAS

     Dia 8 de dezembro! Salve Nossa Senhora da Conceição!Oraeeuerô minha mãe Oxum!
     No dia 8 de dezembro de 1934, exatamente 41 anos antes de Candeia e seus companheiros fundarem o Grêmio Recreativo de Arte Negra e Samba Quilombo, João Petra de Barros entrou no estúdio da Odeon para gravar a marcha rancho Linda Pequena, de Noel Rosa e Braguinha. Informam João Máximo e Carlos Didier que a obra fora composta no Café Papagaio, situado na rua Gonçalves Dias. Os compositores fizeram a música calcados no ritmo de um rancho que saía pelas ruas de Vila Isabel no Dia de Reis.
 
     A estrela d'alva
     No céu desponta
     E a lua anda tonta
     Com tamanho esplendor
     E as moreninhas
     Pra consolo da lua
     Vão Cantando na rua
     Lindos versos de amor

     Linda pequena
     Pequena que tem a cor morena
     Tu não tens pena
     De mim
     Que vivo tonto com o teu olhar
     Linda criança
     Tu não me sais da lembrança
     Meu coração não se cansa
     De sempre e sempre te amar

     A música não fez sucesso . Em 1938 um ano após a morte de Noel, Braguinha apresentou  em um concurso promovido pelo DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda, na Feira de Amostras. A letra foi um pouco alterada:

     A estrela d'alva
     No céu desponta
     E a lua anda tonta
     Com tamanho esplendor
     E as pastorinhas
     Pra consolo da lua
     Vão cantando na rua
     Lindos versos de amor


     Linda pastora
     Morena da cor de Madalena
     Tu não tens pena
     De mim
     Que vivo tonto com o teu olhar
     Linda criança
     Tu não me sais da lembrança
     Meu coração não se cansa
     De sempre e sempre te amar

     O título de Linda pequena passou a Pastorinhas e a canção foi a vencedora do concurso. Sílvio Caldas imortalizou a obra gravando  acompanhado pela Orquestra de Napoleão e seus Soldados Musicais, nome que sugere a efervescência belicosa que impregnava a atmosfera mundial na época.
     A marcha, que provavelmente foi composta para os grupos de pastoris, imperou no carnaval seguinte e se perpetuou entre os clássicos das canções momescas.
     Nas primeiras décadas do século XX, alguns dias antes do Natal, grupos de moçoilas e rapazes, esses em menor número, caminhavam pelas ruas da cidade cantando e dançando, festejando o nascimento de Jesus Cristo. À frente do cortejo, uma jovem vestindo túnica branca, segurava uma vara que trazia na ponta uma estrela. Representava a estrela guia que orientou os Reis Magos a encontrarem a estrebaria onde nasceu o Menino Deus. Logo depois vinha a figura do Velho. De barba e cabelos brancos, apoiado em um cajado, ele cantava:
     Caminhemos, caminhemos
     A lapinha de Belém
     Visitar a Deus Menino
     Que salva o mundo vem
 
     As pastoras, balançando os corpos sestrosos ao ritmo da música, repetiam os versos entoados pelo Velho.
     Os desfiles dirigiam-se às casas de amigos. Diante dos presépios, as pastoras em roda, adoravam o Recém nascido, entoando cânticos em alusão ao evento.
     Jota Efegê, relembra que um momento bem humorado do ritual era o "Namoro do Velho". Nesse instante, o ancião insinuava-se para as pastoras, dirigindo-lhes galanteios, e elas o repeliam:
 
     Sai daqui, ó velho
     Velho impertinente
     Não faça vergonha
     No meio da gente
   
     Após muita insistência do Velho e repúdio das pastoras, cessava a música e os anfitriões distribuíam castanhas, figos, rabanadas e passas entre os participantes.
     Sob o aplauso da platéia, após o apito do Mestre, os músicos deixavam a casa, acompanhados das pastoras, arrastando os pés e cantando.
 
     Caminhemos, caminhemos
     À lapinha de Belém
     Visitar o Deus Menino
     Que salvar o mundo vem
 
     E seguiam de casa em casa, repetindo a cerimônia.
     [......] Em Oswaldo Cruz, as pastorinhas se encontravam na casa de dona Martinha, madrinha da Portela escolhida por Paulo Beijamim de Oliveira, de onde iniciavam o cortejo.
     As pastorinhas dos festejos natalinos migraram para os ranchos carnavalescos, que incorporaram muitas características dos pastoris: o compasso rítmico, as castanholas, as marchas. As pastoras formavam o coro dessas agremiações.

Punhados do Livro A Velha Guarda da Portela- João Baptista M Vargens e Carlos Monte. "A Portela não foi fundada; Nasceu por obra e graça do Espírito Santo"- Antonio Rufino dos Reis.

domingo, 25 de setembro de 2011

GHANDI - Sua Vida e Mensagem para o Mundo - Louis Fischer

     [.......] Perpétuo reformador de homens, Ghandi aceitava-os, não obstante, como eles eram. O amor tornava-o indulgente. Possuía um código extremamente rigoroso de conduta para seu próprio uso, e outro código, indulgente, para aplicar aos outros. Vivia em feliz harmonia com os homens e as mulheres por ele convidados a fazer parte do ashram, mas que não acreditavam em Deus, nem na não violência, nem na castidade, nem nele mesmo. Na verdade, encorajava a rebelião e o não conformismo, considerando-os como sendo recursos auxiliares no desenvolvimento do indivíduo. A deslealdade para com ele nunca o perturbava; perturbava-o porém, a deslealdade para com princípios.
     A universal deslealdade para com os princípios, sob todos os sistemas sociais, se deve ao custo deles. Sob a ditadura o custo pode ser a morte; numa democracia, o desconforto e o embaraço. Ghandi estava pronto a pagar, fosse qual fosse o preço dos princípios pelos quais se batia. Quanto mais pobre ele fosse, de bens materiais, tanto mais ele poderia pagar. E tanto mais rico o pagamento o deixaria em moeda do espírito, que era a única moeda a que ele atribuía valor.
     Ghandi alimentava a mesma atitude nos outros. Dizia aos seus associados, que sacrificassem suas relações e seus contatos com ele, em nome e em benefício de suas próprias crenças. Ele não chefiava apenas um movimento, fazendo esforços para o seu bom exito; estava forjando uma nação, pela moldagem de homens. Se estava para ser pai de uma nação, então queria ter filhos gigantes.Quando defrontado pela oposição, no partido do Congresso, ou no círculo das pessoas mais chegadas, no ashram, Ghandi, por vezes, cedia a ela,muito embora pudesse facilmente superá-la; respeitava a divergencia. Esse respeito é o maior signo de masculinidade. De uma feita, numa conferencia sobre educação básica, todos os participantes concordaram com Ghandi, exceto Zakir Hussain, mestre-escola muçulmano. Ghandi nomeou-o presidente da sociedade em prol da educação básica. A força de vontade do Mahatma , juntamente com sua fé fanática nos princípios, poderia te-lo transformado em ditador; ele tinha um vínculo de ditador dentro de si, mas o seu interesse na formação de indivíduos o tornava democrata.
     Consequentemente, o séquito de Ghandi se fez grande , diverso e difuso, Sua personalidade atraía também uma ampla série de líderes. [......]
   
                                                Ghandi com Chaplin em Londres 1931
 [....] O Mahatma Ghandi não amava a humanidade em sentido abstrato; amava os homens, as mulheres, as crianças; e esperava auxiliar a todos, como indivíduos específicos, e como grupos de indivíduos. Ele pertencia lhes; eles sabiam disto; e, por isto, pertenciam a ele. Por dar guarida ao desleal, ele desfazia a deslealdade. A sua lealdade provocava a deles. Desta maneira, durante os piores anos de derrota e de depressão, de 1924 a 1929, ele se preparou para os triunfos ulteriores. A Índia, agora, o chamava "Bapu" - Pai.


Punhados da Biografia de Ghandi, "Eis aqui a vida e a mensagem do líder hindu que com a força da não violência, libertou politicamente sua nação do jugo britânico." Livro GHANDI- Sua Vida e Mensagem para o Mundo - Louis Fischer - Título do original norte americano GHANDI - His Life and Message for the World by Louis Fischer.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Os Primeiros Ensaios: Sobre o Amor- Woody Allen

     É melhor amar ou ser amado? Nenhum dos dois, se a sua taxa de colesterol estiver acima de 600. Pelo amor, naturalmente, refiro-me ao amor romântico - por exemplo entre homem e mulher, e não aquele entre mãe e filho, uma criança e seu cão ou entre dois garçons.
     O maravilhoso da coisa é que, quando se ama, tem se um impulso de cantar. Deve-se resistir a isto a todo custo, tomando cuidado também para que o ardente apaixonado não "diga" as letras das músicas. É evidente que ser amado é diferente de ser admirado, já que sempre se pode ser admirado a distância - enquanto, para se amar de verdade uma pessoa, é preciso estar no mesmo quarto com ela e, de preferência, enrolado atrás das cortinas.
     Para ser um grande amante, deve-se ser forte e, ao mesmo tempo, terno. Mas forte até que ponto? Acho que basta conseguir levantar 30 kilos. É preciso também ter em mente que, para quem ama, a mulher amada é sempre a coisa mais linda do mundo, mesmo que, para um estranho, ela seja indistinguível de um prato de mexilhões. A beleza está em quem vê. Se quem vê for míope ou estrábico deve perguntar à pessoa ao lado qual é a garota mais bonita. (Na realidade, as mais bonitas são geralmente as mais burras, e esta é uma das razões pelas quais muita gente não acredita em Deus).
     "As alegrias do amor duram apenas um instante", cantou o bardo, "mas suas dores duram uma eternidade". Esta canção tinha tudo para fazer sucesso, mas a melodia era muito parecida com a de I'm a Yankee Doodle Dandy.

Do Livro Woody Allen Sem Plumas, tradução de Ruy Castro, este livro traz 18 textos de formatos variados- peças, ensaios, contos, argumentos e outras improbabilidades - que tem em comum a imaginação e o humor característico de Allen.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

domingo, 18 de setembro de 2011

MILONGA DE DOS HERMANOS - Jorge Luis Borges - Para las seis cuerdas

                                                    Ilustración de Héctor Basaldúa


Traiga cuentos la guitarra
de cuando el fierro brillaba,
cuentos de truco y de taba,
de cuadreras y de copas,
cuentos de la Costa Brava
y el Camino de las Tropas.

Venga una historia de ayer
que apreciarán los más lerdos;
el destino no hace acuerdos
y nadie se lo reproche -
ya estoy viendo que esta noche
vienen del Sur los recuerdos.

Velay, señores, la historia
de los hermanos Iberra,
hombres de amor y de guerra
y en el peligro primeros,
la flor de los chuchilleros
y ahora los tapa de la tierra.

Suelen al hombre perder
la soberbia o la codicia;
también el coraje envicia
a quien le da noche y día -
el que era menor debía
más muertes a la justicia.

Cuendo Juan Iberra vio
que el menor lo aventajaba
la paciencia se le acaba
y le armó no sé qué lazo
le dio muerte de un balazo
allá por la Costa Brava.

Sin demora y sin apuro
lo fue tendiendo en la vía
para que el tren lo pisara.
El tren lo dejó sin cara,
que es lo que el mayor quería.

Así de manera fiel
conté la historia hasta el fin;
es la historia de Caín
que sigue matando a Abel.




Do livro, Para las Seis Cuerdas - Jorge Luis Borges- Emecé Editores- Ilustraciones Héctor Basaldúa- Este livro foi publicado pela primeira vez em 1965. A segunda edição em 1970, Borges suprimiu "Alguien le dice al tango" e anexou três novas composições "Milonga de Albornoz", "Milonga de Manuel Flores" y"Milonga de Calandria".Esta é a terceira, o ilustrador proporcionou alguns "dibujos" de seu pai, já falecido para reproduzir nesta edição, que é uma homenagem ao décimo aniversário de falecimento de Borges.

sábado, 27 de agosto de 2011

O CONSOLADOR - Sentimento- ARTE- Emmanuel- Fco Cândido Xavier

   SENTIMENTO
   ARTE

Que é a arte?

- A arte pura é a mais elevada contemplação espiritual por parte das criaturas. Ela significa a mais profunda exteriorização do ideal, a divina manifestação desse "mais além" que polariza as esperanças da alma.
   O artista verdadeiro é sempre o "médium" das belezas eternas e o seu trabalho, em todos os tempos, foi tanger as cordas mais vibráteis do sentimento humano, alçando-o da Terra para o Infinito e abrindo, em todos os caminhos, a ânsia dos corações para Deus, nas suas manifestações supremas de beleza, de sabedoria, de paz e de amor.
Todo artista pode ser também um missionário de Deus?
- Os artistas, como os chamados sábios do mundo, podem enveredar, igualmente pelas cristalizações do convencionalismo terrestre, quando nos seus corações não palpite a alma dos ideais divinos, mas na maioria das vezes, têm sido grandes missionários das idéias, sob o égide do Senhor, em todos os departamentos da atividade que lhes é própria, como a literatura, a música, a pintura, a plástica.
Sempre que a sua arte se desvencilha dos interesses do mundo, transitórios e perecíveis, para considerar tão somente a luz espiritual que vem do coração uníssono com o cérebro, nas realizações da vida, então o artista é um dos mais devotados missionários de Deus, porquanto saberá penetrar os corações na paz da meditação e do silêncio, alcançando o mais alto sentido da evolução de si mesmo e de seus irmãos em humanidade.
Pode alguém fazer-se artista tão só pela educação especializada em uma existência?
- A perfeição técnica, individual de um artista, bem como as suas mais notáveis características, não constituem a resultante das atividades de uma vida, mas de experiências seculares na Terra e na esfera espiritual, porquanto o gênio, em qualquer sentido, nas manifestações artísticas mais diversas, é a síntese profunda de vidas numerosas, em que a perseverança e o esforço se casaram para as mais brilhantes florações da espontaneidade.


Uma visão espírita da Arte- O Consolador, obra mediúnica, ditada pelo espírito Emmanuel- Reunião de 31 março de 1939-do Grupo Espírita Luís Gonzaga de Pedro Leopoldo, um amigo espiritual lembrou aos seus componentes , por meio de perguntas à entidade de Emmanuel.- Federação Espírita Brasileira- Depto Editorial

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O NASCIMENTO DA CRÔNICA- Machado de Assis- Crônicas Escolhidas

      Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e la glace est rompue; está começada a crônica.
     Mas, leitor amigo, esse meio é mais velho ainda do que as crônicas, que apenas datam de Esdras. Antes de Esdras, antes de Moisés, antes de Abraão, Isaque e Jacó, antes mesmo de Noé,houve calor e crônicas. No paraíso é provável, é certo que o calor era mediano, e não é prova do contrário o fato de Adão andar nu. Adão andava nu por duas razões, uma capital e outra provincial. A primeira é que não havia alfaiates, não havia sequer casimiras; a segunda é que, ainda havendo-os, Adão andava baldo ao naipe. Digo que esta razão é provincial, porque as nossas províncias estão nas circunstâncias do primeiro homem.
     Quanto a fatal curiosidade de Eva fez -lhes perder o paraíso, cessou, com essa degradação, a vantagem de uma temperatura igual e agradável. Nasceu o calor e o inverno; vieram as neves, os tufões, as secas, todo o cortejo de males, distribuídos pelos doze meses do ano.
     Não posso dizer positivamente em que ano nasceu a crônica; mas há toda a probabilidade de crer que foi coetânea das primeiras duas vizinhas. Essa vizinhas, entre o jantar e a merenda, sentaram-se à porta, para debicar os sucessos do dia. Provavelmente começaram a lastimar-se do calor. Uma dizia que não pudera comer ao jantar, outra que tinha a camisa mais ensopada do que as ervas que comera. Passar das ervas, às plantações do morador fronteiro, e loga às tropelias amatórias do dito morador, e ao resto, era a coisa mais fácil, natural e possível do mundo. Eis a origem da crônica.
     Que eu, sabedor ou conjeturador de tão alta prosápia, queira repetir o meio de que lançaram mãos as duas avós do cronista, é realmente cometer uma trivialidade; e contudo, leitor, seria difícil falar desta quinzena sem dar à canícula o lugar de honra que lhe compete. Seria; mas eu dispensarei esse meio quase tão velho como o mundo, para somente dizer que a verdade mais incontestável que achei debaixo do sol, é que ninguém se deve queixar, porque cada pessoa é sempre mais feliz do que outra.
     Não afirmo sem prova.
     Fui há dias a um cemitério, a um enterro, logo de manhã, num dia ardente como todos os diabos e suas respectivas habitações. Em volta de mim ouvia o estribilho geral: - Que calor! Que Sol! É de rachar passarinho! É de fazer um homem doido!
     Íamos em carros! Apeamo-nos à porta do cemitério e caminhamos um longo pedaço. O sol das onze horas batia de chapa em todos nós; mas sem tirarmos os chapéus, abríamos os de sol e seguíamos a suar até o lugar onde devia verificar-se o enterramento. Naquele lugar esbarramos com seis ou oito homens ocupados em abrir covas: estavam de cabeça descoberta, a erguer e fazer cair a enxada. Nós enterramos o morto, voltamos nos carros,e daí às nossas casas ou repartições. E Eles? Lá os achamos, lá os deixamos, ao sol, de cabeça descoberta, a trabalhar com a enxada. Se o sol nos fazia mal, que não faria àqueles pobres diabos, durante todas as horas quentes do dia?


1º Novembro de 1877.






Crônicas Escolhidas- Folha de São Paulo- Este livro de crônicas foi para quem renovou a assinatura da Folha de São Paulo- Editor Fernando Paixão- ano 1994 Ed Ática- Sejamos vizinhos de Machado- Fernando Paixão:"O leitor tem em mãos uma seleção de crônicas de Machado de Assis. Isso quer dizer que deve procurar uma poltrona confortável, num lugar fresco, arejado e sobretudo tranquilo[........].
[......] Cada crônica de Machado sucede como uma boa conversa. Aliás, é o próprio autor quem, no primeiro texto desta seleção, define a origem do gênero como um encontro de vizinhas a escarafunchar as ocorrência do dia. E quem não gosta de um bate-papo? É até reconhecido como um jeito brasileiro de discutir política ou  futebol, conhecer melhor pessoas e amigos, e até ciscar questões filosóficas, sem ferir a normalidade dos fatos, tão necessária ao funcionamento da sociedade.
Mas, esses textos não seriam Machado, se a ironia não fosse a sua pedra de toque".

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Whatever Works - Tudo Pode Dar Certo - Woody Allen- Filme


  Direção e Roteiro: Woody Allen- Data de Estréia nos EUA 19 jun 2009/ Data de estréia no Brasil 2010






 Boris Yelinikoff, um mal humorado físico, quase indicado ao Prêmio Nobel, suicida fracassado, não odeia a vida, apenas acredita que somos uma espécie em extinção burra demais para ser feliz. 
     Uma ingenua jovem entra em sua vida e coloca em cheque suas crenças. A solução é se agarrar a toda e qualquer felicidade que se pode dar e receber porque, no fim, tudo pode dar certo.
     Palavras da crítica: " De novo não, escutamos você gemer. Outro filme de Woody Allen que faz propaganda de velhos ranzinzas atraindo jovens e lindas mulheres. Esse não é o cenário de uma comédia;é um delito penal, certo? Mas em Tudo Pode Dar Certo, Allen pegou seus costumeiros ingredientes e de algum modo fez seu filme mais fresco em eras. Depois de quatro filmes no exterior, dois dos quais(Match Point - Ponto Final e Vicky Cristina Barcelona) foram bastante bons, o roteirista-diretor de 73 anos encontrou novo vigor e calor em sua velha vizinhança. Sem brincadeira esse é o filme para se sentir bem do ano e uma mensagem cinematográfica da alma.[.....] É comum para críticos de seu recente trabalho citar um triunfo antigo como Bananas ou Noivo neurótico, noiva nervosa e descobrir a falta de novos triunfos. Tudo pode dar certo é diferente tem aquela efervescência do jovem Woody misturada a um maduro romantismo cômico; o filme foi envelhecido em sagacidade. Se Allen tem uma década ou duas de filmes ainda por fazer e fizer um excelente daqui a anos, as pessoas dirão, "É espetacular, mas não é Tudo Pode Dar Certo".- Richard Corliss, Time Magazine, 29 de junho de 2009.
     " Há algo ao mesmo tempo majestoso e triste na duradoura convicção de Allen de que qualquer um de fora da área dos três estados é um cabeça de vento ou um matuto crônico, e que uma dose de Manhattan é a última e melhor chance de uma cura. Sua visão da cidade sempre foi feita de sonhos, mas agora parece tão distante quanto o chão polido e os móveis estilo decô dos filmes de Fred Astaire que Boris vê, é claro, sempre que liga a tv".- Anthony Lane, The New Yorker, 22 de junho de 2009.
     Palavras de Allen: 2009-" Esse não é um papel que eu poderia ter feito mesmo que fosse mais jovem. Larry é capaz de fazer esse tipo de humor sarcástico, cáustico, e se sair bem com isso, porque obviamente há algo nele que o público gosta. Você sabe, Groucho Marx tinha isso. Eles nunca se sentiam ofendidos por Groucho, eles ficavam ofendidos se ele não os insultasse, ele me disse uma vez."
     



Livro: A Elegância de Woody Allen- Centro Cultural Banco do Brasil

domingo, 24 de julho de 2011

GATOS NOTURNOS - Pablo Neruda - Poesia

Quantas estrelas tem um gato
me perguntaram em Paris
e comecei tigre por tigre
a espreitar as constelações:
porque dois olhos espreitantes
são palpitações de Deus
nos olhos frios do gato
e duas centelhas no tigre.

Mas é uma estrela a cauda
de um gato eriçado no céu
e é um tigre de pedra azul
a noite azul de Antofogasta.

A noite gris de Antofogasta
se eleva sobre as esquinas
como uma derrota elevada
sobre a fadiga terrestre
e sabe-se que é o deserto
o outro rosto da noite
tão infinita, inexplorada
como o não ser das estrelas.

E entre as duas taças da alma
cintilam os minerais.
Nunca vi um gato no deserto:
a verdade é que nunca tive
para dormir mais companhia
que as areias da noite,
as circunstâncias do deserto
ou as estrelas do espaço.

Porque assim não são e assim são
minhas pobres averiguações.


Autor: Pablo Neruda- Livro: O Coração Amarelo


terça-feira, 21 de junho de 2011

Flor de obsessão- Nelson Rodrigues


  De vez em quando,alguém me chama de "flor de obsessão". Não protesto, e explico: - não faço nenhum mistério dos meus defeitos. Eu os tenho e os prezo ( estou usando os pronomes como Otto Lara Resende na sua fase lisboeta). Sou um obsessivo. E, aliás, que seria de mim, que seria de nós, se não fossem três ou quatro idéias fixas? Repito: - não há santo, herói, gênio ou pulha sem idéias fixas.
  Só os imbecis não as tem. Não sei porque estou dizendo isso. Ah, já sei. É o seguinte: - recebo a carta de uma leitora. Leio e releio e sinto a irritação feminina. E justamente, a leitora me atribui a idéia fixa do "umbigo". Em seguida, acrescenta: - "Isso é mórbido ou o senhor não desconfia que isso é mórbido?. Corretíssima a observação. Realmente, jamais neguei a cota de morbidez que Deus me deu.
  A minha morbidez. Ela me persegue e, repito, ela me atropela desde os três anos de idade. Eu ainda usava camisinha de pagão acima do umbigo. E, um dia, na rua Alegre, apareceram quatro cegos e um guia. Juntaram-se na esquina, na calçada da farmácia, e tocaram violino. Três anos. Quando os cegos partiram, caí de cama. Debaixo dos lençóis, tiritava de tristeza, como de malária. A partir de então, sou um fascinado pelos cegos.
  Ainda na infância, eu fechava os olhos e, dentro de minhas próprias trevas, me imaginava cego. Claro que tudo isso é morbidez. Eis o que eu queria dizer à minha leitora: - infelizmente, não tenho nem a saúde física, nem a saúde mental de uma vaca premiada. Na sua irritação, ela continua: "Bem se vê que o senhor é um velho". E, de fato sou tão velho quanto o Antonio Houaiis.
  Por coincidência, almocei, ontem, com o já referido Antonio Houaiis, o Francisco Pedro do Couto e o José Lino Grünewald. ( Vejam como Grünewald é um nome naval, sim o nome de um primeiro tenente morto no afundamento do Bismarck). Durante o almoço o Antônio Houaiis batia na tecla fatal: - "A minha geração é a do Nelson". E dizia ao José Lino e ao Couto: - "Vocês que são brotos". E, pouco a pouco, eu e o próprio Houaiss íamos ficando lívidos de idade, amarelos de velhice, espectrais como a primeira batalha de Marne ou como o fuzilamento de Mata Hari.
  Depois do almoço volto para a redação e vejo a carta da leitora. Lá está a mesma a crudelíssima acusação de velhice. Cabe então a pergunta: - e por que me chama de velho? Resposta - porque ainda me impressionam os umbigos do biquíni, do sarongue, dos bailes.E, sem querer, a leitora toca num dos mistérios mais patéticos da nossa época. Os jovens não estão interessados na nudez feminina. Essa rapaziada dourada de sol, esses latagões plásticos, elásticos, solidamente belos como havaianos não desejam como as gerações anteriores. Só os velhos que ainda se voltam, na rua, ou na praia, para ver as belas formas. Quem o diz é a leitora.
  Mas o melhor está do meio para o fim. De repente percebo a origem da carta e da irritação. A leitora defendia alguém. Eis o caso: - no baile do Municipal, irrompeu um umbigo especialíssimo. Uma líndissima senhora e, se não me engano, embaixatriz, foi fotografada, televisada de sarongue. Mas tarde, os jornais e as revistas falavam do umbigo diplomático. A imprensa rendia sua homenagem à beleza. Mas a leitora via, nas fotografias e legendas, uma inconfidência visual, quase um ultraje. Parece-lhe que não estamos longe do jornalismo de escândalo ou, para usar a cor exata, marrom.
  Vejam vocês como os papéis se invertem. Já a televisão foi chamada de obscena, porque pôs no vídeo a nudez coletiva, geral, ululante. Eis o que me pergunto: - queriam o quê? Que as câmeras e os microfones vestissem os nus, calafetassem os umbigos, enfiassem espartilhos nos quadris?Ao mesmo tempo o Jornal do Brasil deitou um judicioso editorial afirmando que, depois da praia, a nudez perdera todo o mistério e todo o suspense. Era assim no Brasil e em todo mundo. Portanto segundo o velho órgão não há nada que objetar ao impudor eugênico, salubérrimo e "pra frente" da praia. E todavia, o mesmo Jornal do Brasil e no mesmo editorial condena a televisão que devia ter tapado os quadris, umbigos, etc.,etc.
  Do mesmo modo, o caso da leitora e da embaixatriz. Que uma bela senhora ponha um sarongue assim e vá ao baile é um fato intranscendente, normalíssimo. Mas se um cronista deixa escapar uma referência ao umbigo do Itamaraty, vem o mundo abaixo. E por que meu Deus do céu?. Imoral é a televisão e não os nus frenéticos que vinham posar para câmeras. Antigamente, havia, em torno de um beijo, todo um sigilo, toda uma solidão. Lembro-me de uns namorados, na minha infância, que iam para debaixo da escada. E, nos bailes recentes, os casais caçavam as câmeras e iam beijar para milhões de telespectadores.
  Seja como for, algo restou do último Carnaval. Refiro-me aos nus arrependidos. Na própria quarta feira de Cinzas, cruzei ao chegar em casa com uma menina da vizinhança.Fora, nos quatro dias, um dos umbigos mais insistentes da televisão. Em qualquer canal lá estava ele. E, no entanto, enterrado o Carnaval eu via a menina passar, rente à parede, de cabeça baixa , na sua vergonha tardia e crispada.
  A minha leitora, que assume a irada defesa da embaixatriz, também é outro nu arrependido. Diz, a folhas tantas: - "Eu também brinquei no Carnaval". E levando mais longe a sinceridade, confessa: - " Vesti o meu sarongue e não me arrependo". Mentira. Está arrependida, e insisto - é um dos nus arrependidos da cidade.
  É linda, embora inútil, essa vergonha póstuma. Também as famílias estão horrorizadas com o nudismo carnavalesco. Fui a um jantar e lá as senhoras diziam: - "Não eram meninas de família. Eram aventureiras." Perdão: vamos dizer a casta e singela verdade: - os nus saíam dos lares. Já escrevi isto e repito, porque é meio vil trapacear com o nosso próprio impudor. Se a cidade se despiu, deve ter o nobilíssimo cinismo de o proclamar.
  Mas vamos crer que não houve nus em lugar nenhum. Não adianta. Para nós não há saída. Porque ter pudor no Carnaval e não na praia? Aí está o biquíni que é a forma mais desesperada da nudez. Como é triste o nu que ninguém pediu, que ninguém quer ver, que não espanta ninguém. O biquíni vai comprar grapete e o crioulo da carrocinha tem o maior tédio visual pela plástica nada misteriosa. E aí começa a expiação da nudez sem amor: - a inconsolável solidão da mulher.



Crônica do Livro - A Cem Melhores Crônicas Brasileiras - Seleção Joaquim Ferreira dos Santos. Esta está na seleção: Os anos 1950 - A década de ouro de uma geração de craques.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

UTOPíA DE UN HOMBRE QUE ESTÁ CANSADO - Jorge Luis Borges

Llamóla Utopía, voz griega cuyo significado es no hay tal lugar- QUEVEDO


No hay dos cerros iguales, pero en cualquier lugar de la tierra la llanura es una y la misma. Yo iba por um camino de la llanura. Me pregunté sin mucha curiosidad si estaba en  Oklahoma o en Texas o en la región que los literatos llaman la pampa. Ni a derecha ni a izquierda vi um alambrado. Como otras veces repetí despacio estas líneas, de Emilio Oribe:
         En medio de la pánica llanura interminable
         Y cerca del Brasil
que van creciendo e agrandándose.
  El camino era desparejo. Empezó a caer la lluvia. A unos doscientos o trescientos metros vi la luz de una casa. Era baja e rectangular y cercada de árboles. Me abrió la porta un hombre tan alto que casi me dio medo.Estaba vestido de gris. Sentí que esperaba a alguien. No había cerradura en la puerta.
  Entramos en la larga habitación com las paredes de madera. Pendía del cielo raso una lámpara de luz amarillenta. La mesa, por alguna razón, me extranó. En la mesa había una clepsidra, la primera que he visto, fuera de algún grabado en acero. El hombre me indicó una de las sillas.
  Ensayé diversos idiomas y no nos entendimos. Cuando él habló lo hizo en latín. Junté mis ya lejanas memorias de bachiller y me preparé para el diálogo.
  - Por la ropa - me dijo- , veo que llegas de otro siglo. La diversidad de las lenguas favorecía la diversidad de los pueblos y aun da las guerras; la tierra ha regresado al latín. Hay quienes temen que vuelva a degenerar en francés, en lemosín o en papiamento, pero el riesgo nos es inmediato. Por lo demás, ni lo que ha sido ni lo, que será me interesan.
  No dije nada y agregó:
  - Si no te desagrada ver comer a otro quieres acompañarme?
  Comprendí que advertía mi zozobra y dije que sí.
  Atravesamos un corredor com puertas laterales, que daba a una pequeña cocina en la que todo era de metal. Volvimos con la cena en una bandeja: boles com copos de maíz, un racimo de uvas, una fruta desconocida cuyo sabor me recordó el del higo, y una gran jarra de agua. Creo que no había pan. Los rasgos de mi huésped eran agudos y tenía algo singular en los ojos. No olvidaré ese rostro severo y pálido que no volveré a ver. No gesticulaba al hablar.
  Me trababa la oblicación del latín, pero finalmente le dije:
  - No te asombra mi súbita aparición?
  -No - me replicó -, tales visitas nos ocurren de siglo en siglo. No duran mucho; a más tardar estarás mañana en tu casa.
  La certidumbre de su voz me bastó. Jusgué prudente presentarme:
  - Soy Eudoro Acevedo. Nací en 1897, en la ciudad de Buenos Aires. He cumplido ya setenta años. Soy profesor de letras inglesas e americanas y escritor de cuentos fantásticos.
  - Recuerdo haber leído sin desagrado - me contestó - dos cuentos fantásticos. Los Viajes del Capitán Lemuel Gulliver, que muchos consideran verídicos, y la Suma Teológica. Pero no hablemos de hechos. Ya a nadie le importan los hechos. Son meros puntos de partida para la invención y el razonamiento. En las escuelas nos enseñan la duda y el arte del olvido. Ante todo el olvido de lo personal y local. Vivimos en el tiempo, que es sucesivo, pero tratamos de vivir sub specie aeternitatis. Del pasado nos quedan algunos nombres, que el lenguaje tiende a olvidar. Eludimos las inútiles precisiones. No hay cronología ni historia. No hay tampoco estadísticas.Me has dicho que te llamas Eudoro; yo no puedo decirte cómo me llamo, porque me dicen alguien.
  - Y cómo se llamaba tu padre?
  - No se llamaba.
  En una de las paredes vi un anaquel. Abrí un volumen al azar, las letras eran claras e indescifrables y trazadas a mano. Sus líneas angulares, me recordaron el alfabeto rúnico, que, sin embargo, sólo se empleó para la escritura epigráfica. Pensé que los hombres del porvenir no sólo eran más altos sino más diestros. Instintivamente miré los largos y finos dedos del hombre.
  Éste me dijo:
  - Ahora vas a ver algo que nunca has visto.
  Me tendió con cuidado un ejemplar de la Utopía de More, impreso em Basilea en el año 1518 y en el que faltaban hojas y láminas.
  No sin fatuidad repliqué:
  -Es un libro impreso. En casa habrá más de dos mil, aunque no tan antiguos ni tan preciosos.
  Leí en voz alta el título.
  El otro se rió.
   - Nadie puede leer dos mil libros. En los cuatro siglos que vivo no habré pasado de una media docena. Además no importa leer sino releer. La imprenta, ahora abolida, ha sido uno de los peores males del hombre, ya que tendió a multiplicar hasta el vértigo textos innecesarios.
  - En mi curioso ayer - contesté -, prevalecía la superstición de que entre cada tarde y cada mañana ocurren hechos que es una vergüenza ignorar. El planeta estaba poblado de espectros colectivos, el Canadá, el Brasil, el Congo Suizo y el Mercado Común. Casi nadie sabía la historia previa de esos entes platónicos, pero sí los más ínfimos pormenores del último congreso de pedagogos, la inminente ruptura de relaciones y los mensajes que los presidentes mandaban, elaborados por el secretario con la prudente imprecisión que era propia del género.
  Todo esto se leía para el olvido, porque a las pocas horas lo borrarían otras trivialidades. De todas las funciones, la del político era sin duda la más pública. Un embajador o un ministro era una suerte de lisiado que era preciso trasladar en largos y ruidosos vehículos, cercado de ciclistas y granaderos e aguardado por ansiosos fotógrafos. Parece que les hubieran cortado los pies, solía decir mi madre. Las imágenes y la letra impresa eram más reales que las cosas. Sólo lo publicado era verdadero. Esse est percipi (ser es ser retratado) era el principio, el medio y el fin de nuestro singular concepto del mundo. En el ayer que me tocó, la gente era ingenua; creía que una mercadería era buena porque así lo afirmaba e lo repetía su proprio fabricante. También eran frecuentes los robos, aunque nadie ignoraba que la posesión de dinero no da mayor felicidad ni mayor quietud.
  - Dinero? - repitió -. Ya no hay quien adolezca de probreza, que habrá sido insufrible, ni de riqueza, que habrá sido la forma más incómoda de la vulgaridad. Cada cual ejerce su oficio.
  - Como los rabinos - le dije.
  Pareció no entender y prosiguió.
  -Tampoco hay ciudades. A juzgar por las ruinas da Bahía Blanca, que tuve la curiosidad de explorar, no se ha perdido mucho. Ya que no hay posesiones, no hay herencias. Cuando el hombre madura a los cien años, está listo a enfrentarse consigo mismo y con su soledad. Ya ha engendrado un hijo.
  - Un hijo? - pregunté.
  - Sí. Uno solo. No conviene fomentar el género humano. Hay quienes piensan que es un órgano de la divinidad para tener conciencia del universo, pero nadie sabe com certidumbre si hay tal divinidad. Creo que ahora se discujten las ventajas y desventajas de un suicidio gradual o simultáneo de todos los hombres del mundo. Pero vulvamos a lo nuestro.
  Asentí.
  - Cumplidos los cien años, el individuo puede prescindir del amor y de la amistad. Los males y la muerte involuntaria no lo amenazan. Ejerce alguna de las artes, la filosofía, las matemáticas o juega a un ajedrez solitario. Cuando quiere se mata. Dueño el hombre de su vida, lo es también de su muerte.
  - Se trata de una cita? - le pregunté.
  - Seguramente. Ya no nos quedan más citas. La lengua es un sistema de citas.
  - Y la grande aventura de mi tiempo, los viajes espaciales? - le dije.
  - Hace ya siglos que hemos renunciado a esas traslaciones, que fueron ciertamente admirables. Nunca pudimos evadirnos de una aguí y de un ahora.
  Con una sonrisa agregó:
  - Además, todo viaje es espacial. Ir de un planeta a otro, es como ir a la granja de enfrente. Cuando usted entró en este cuarto estaba ejecutando un viaje espacial.
  - Así es - repliqué - . También se hablaba de sustancias químicas y de animales zoológicos.
  El hombre ahora me daba la espalda y miraba por los cristales. Afuera la llanura estaba blanca de silenciosa nieve y de luna.
  Me atreví a preguntar:
  - Todavía hay museos y bibliotecas?
  -No. Queremos olvidar el ayer, salvo para la composición de elegías. No hay conmemoraciones ni centenarios ni efigies de hombres muertos. Cada cual debe producir por su cuenta las ciencias y las artes que necesita.
  - En tal caso, cada cual debe ser su propio Bernard Shaw, su proprio Jesucristo y su proprio Arquímedes.
  Asintió sin un palabra. Inquirí:
  -Qué sucedió con los gobiernos?
  -Según la tradición fueron cayendo gradualmente en desuso. Llamaban a elecciones, declaraban guerras, imponían tarifas, confiscaban fortunas, ordenaban arrestos e pretendían imponer la censura y nadie en el planeta los acataba. La prensa dejó de publicar sus colaboraciones y sus efigies. Los políticos tuvieron que buscar oficios honestos;algunos fueron buenos cómicos o buenos curanderos. La realidad sin duda habrá sido más compleja que este resumen.
  Cambió de tono y dijo:
  - He construido esta casa, que es igual a todas las otras. He labrado estos muebles y estos enseres. He trabajado el campo, que otros, cuya cara no he visto, trabajarán mejor que yo. Puedo mostrarte algunas cosas.
  Lo seguí a una pieza contigua. Encendió una lámpara, que también pendía del cielo raso. En un rincón vi un arpa de pocas cuerdas. En las paredes había telas rectangulares en las que predominaban los tonos del color amarillo. No parecían proceder de la misma mano.
  - Ésta es mi obra - declaró
  Examiné las telas y me detuve ante la más pequeña, que figuraba o sugería una puesta de sol y que encerraba algo infinito.
  - Si te gusta puedes llevártela, como recuerdo de un amigo futuro - dijo con palabra tranquila.
  Le agradecí, pero otras telas me inquetaron. No diré que estaban en blanco, pero sí casi en blanco.
  -Están pintadas com colores que tus antiguos ojos no pueden ver.
  Las delicadas manos tañeron las cuerdas del arpa y apenas percibí uno que otro sonido.
  Fue entonces cuando se oyeron los golpes.
  Una alta mujer y tres o cuatro hombres entraron en la casa. Diríase que eran hermanos o que los había igualado el tiempo. Mi huésped habló primero con la mujer.
  - Sabía que esta noche no faltarías. Lo has visto a Nils?
  - De tarde em tarde. Sigue siempre entregado a la pintura.
  - Esperemos que con mejor fortuna que su padre.
  Manuscritos, cuadros, muebles, enseres; no dejamos nada en la casa.
  La mujer trabajó a la par de los hombres. Me avergoncé de mi flaqueza que casi no me permitía ayudarlos.       Nadie cerró la puerta e salimos, cargados con las cosas. Noté que el techo era a dos aguas.
  A los quince minutos de caminar, doblamos por la izquierda. En el fondo divisé una suerte de torre, coronada por una cúpula.
  - Es el crematorio - dijo alguien - . Adentro está la cámara letal. Dicen que la inventó un filántropo cuyo nombre, creo, era Adolf Hitler.
  El cuidador, cuya estatura no me asombró, nos abrió la verja.
  Mi huésped susurró unas palabras. Antes de entrar en el recinto se despidió con um ademán.
  - La nieve seguirá - anunció la mujer.
  En mi escritorio de la calle México guardo la tela que alguien pintará, dentro de miles de años, con materiales hoy dispersos en el planeta.


Do Livro "El Libro de Arena" do original em Espanhol, Biblioteca Jorge Luis Borges- Emecé Editores.Procurei passar para o blog exatamente como está no livro original, só o que não foi colocado, foram os pontos de interrogação invertidos, "cuando uno le pregunta al otro".


quarta-feira, 13 de abril de 2011

Crônica de uma Morte Anunciada - Gabriel García Márquez

No dia em que o matariam, Santiago Nasar levantou-se às 5.30h da manhã para esperar o navio em que chegava o bispo. Tinha sonhado que atravessava um bosque de grandes figueiras onde caía uma chuva branda,e por um instante foi feliz no sonho, mas ao acordar sentiu-se completamente salpicado de cagada de pássaros."Sempre sonhava com árvores", disse-me sua mãe 27 anos depois, evocando os pormenores daquela segunda feira ingrata."Na semana anterior tinha sonhado que ia sozinho em um avião de papel aluminizado, que voava sem tropeçar entre as amendoeiras", disse-me. Tinha uma reputação muito bem merecida de intérprete certeira dos sonhos alheios, desde que fossem contados em jejum, mas não percebera qualquer augúrio aziago nesses dois sonhos do filho, nem nos outros sonhos com árvores que ele lhe contara nas manhãs que precederam sua morte.
Santiago Nasar também não reconheceu o presságio. Dormira pouco e mal, sem tirar a roupa, e acordou com dor de cabeça e um gosto de estribo de cobre na boca, interpretando-os como estragos normais da farra de casamento que se prolongara até depois da meia noite. As muitas pessoas que encontrou desde que saiu de casa às 6.05h até que foi retalhado como um porco, uma hora depois, lembravam-se dele um pouco sonolento,mas de bom humor, e com todos comentou de um modo casual que era um dia muito bonito.Ninguém estava certo se ele se referia ao estado do tempo. Muitos coincidiam na lembrança de que era uma manhã radiante com uma brisa de mar que chegava através dos bananais, como seria de esperar que fosse em um bom fevereiro daquela época. A maioria porém, estava de acordo em que era um tempo fúnebre, de céu sombrio e baixo e um denso cheiro de águas paradas; e que no instante da desgraça estava caindo uma chuvinha miúda como a que Santiago Nasar vira no bosque do sonho. Eu estava me refazendo da farra do casamento no apostólico regaço da Maria Alexandrina Cervantes, e só então acordei, com o alvoroço dos sinos tocando a rebate, porque pensei que tocavam em honra do bispo.
Santiago Nasar pos calça e camisa de linho branco, não engomadas, iguais as que vestira no dia anterior para o casamento. Era um luxo para a ocasião. Se não fosse pela chegada do bispo, teria vestido a roupa cáqui e as botas de montar com que ia, nas segundas feiras, a O Divino Rosto, a fazenda que herdou do pai e que administrava com muito bom juízo embora sem muita sorte. À caça, levava ao cinto uma 357 Magnum, cujas balas blindadas, segundo dizia, podiam partir um cavalo pelo meio. Em tempo de perdizes, levava também seus apeiros de cetraria. Tinha no armário, além disso um rifle 30.06 Manlinncher Schönauer, um rifle 300 Holland Magnum, um 22 Hornet com mira telescópica de duplo alcance, e uma Winchester de repetição. Dormia sempre como o pai dormiu, a arma escondida dentro da fronha do travesseiro, mas antes de sair de casa naquele dia tirou-lhe as balas e as pos na gaveta do criado mudo. "Nunca a deixava carregada", disse-me sua mãe. Eu o sabia, e sabia também que guardava as armas em um lugar e escondia a munição em outro muito afastado, para que ninguém cedesse, nem por acaso, à tentação de carregá-las dentro de casa. Era um sábio costume imposto pelo pai desde a manhã em que uma criada sacudiu o travesseiro para tirar a fronha, a pistola disparou ao cair no chão, a bala desmontou o armário do quarto, atravessou a parede da sala, passou com um estrondo de guerra pela sala de jantar da casa vizinha e transformou em pó de gesso um santo de tamanho natural no altamor da igreja, na outra extremidade da praça. Santiago Nasar, que era então muito criança, não esqueceu nunca a lição daquele contratempo.
A última imagem que a mãe tinha dele era a de sua fugaz passagem pelo quarto. Acordara-a quando tentava encontrar, apalpando, uma aspirina no armário do banheiro; então ela acendeu a luz e o viu aparecer na porta com o copo de água na mão, como havia de recordá-lo para sempre.Santiago Nasar contou-lhe então o sonho,mas ela não se importou com as árvores...............

Punhados da Crônica de uma Morte Anunciada, "Com estilo sóbrio, deliberadamente alheio a qualquer barroquismo. Gárcia Márquez mantém alta a tensão nesta extraordinária crônica, embora renuncie de saída a qualquer recurso estilístico convencional: desde as primeiras páginas sabemos que o Santiago vai morrer e que o livro todo recria as poucas horas que precederam essa morte. Desprovido de incógnitas, o relato avança e cresce, sustentado apenas pela palavra........."

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

AVATAR

O Hinduismo é inerentemente pluralista, dentro de si, a sua falta de identidade com arestas duras mantém viva a nova interpretação e regeneração. O Hinduismo não tem uma igreja, um pontífice ou uma autoridade central. Seu conhecimento é classificado em: "Shruti" (conhecimento revelado), "Mat" (opinião ou teoria), "Sidddhanta" (teoria comprovada), "Shastras" (sistemas de pensamento ou pontos de vista estabelecidos), "Smriti" (construções sociológicas).
Um hindu é livre para escolher e adaptar estas idéias e práticas.
A teologia Hinduista se fundamenta no culto aos avatares( manifestações corporais) da divindade suprema, Brâman. Particular destaque é dado à Trimuti - Uma Trindade constituída por  Brama (Brahma), Xiva (Shivae, Vixnu (Vishnu). Tradicionalmente o culto direto aos membros da Trimut, é relativamente raro, em vez disso costuma-se cultuar avatares, mais específicos e mais proximos da realidade cultural e psicológica dos habitantes, como por exemplo Krishna, avatar de Vixnu e personagem central do Bagavadguitá.
Também conhecido pela grafia Bhagavad Gita, "Canção de Deus". O texto escrito em sanscrito, relata o diálogo de Críxena (uma das encarnações  de Vixnu) com Arjuna (seu discípulo guerreiro), em pleno campo de batalha Arjuna representa o papel de uma Alma confusa sobre o seu dever e recebe iluminação diretamente do Senhor Krishna, que o instrui na ciência da autorealização. No desenrolar da conversa são colocados pontos importantes da filosofia indiana, que incluía já na época elementos do Bramanismo e do Sankhya.
A filosofia perene do Bagavadguitá tem intrigado a mente de quase todos os grandes pensadores da humanidade, tendo influenciado de maneira decisiva inúmeros movimentos espiritualistas e também um paralelo entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental. Em síntese a base da instrução espiritual do Krishna, como de resto, de todo o Hinduísmo, consiste na ideia de que as coisas e eventos que nos cercam, nada mais são em sua grande variedade, que manifestações diversas de uma mesma realidade última. Essa realidade Brahman, é o conceito unificador que confere ao Hinduismo seu caráter essencialmente monístico, não obstante a adoração de numerosos deuses e deusas. Brahman é a "alma" ou essencia interna de todas as coisas. Ela é infinita e está além de todos os conceitos. Ela não pode ser apreendida pelo intelecto, nem adequadamente descrita em palavras. Sem princípio supremo: além do que é e além do que não é.


Fontes: "BUDACHANEL";" COMUNIDADE ESPÍRITA"; HICADUS OF HINDU THEOLOGY; O TAO DA FÍSICA; O PONTO DE MUTAÇÃO- Capra, Fritjof

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Coisas & Pessoas - Mario Quintana

Desde pequeno, tive tendencia para personificar as coisas. Tia Tula, que achava que mormaço fazia mal, sempre gritava: "Vem pra dentro menino, olha o mormaço". Mas eu ouvia o mormaço com M maiúsculo.Mormaço, para mim, era um velho que pegava crianças! Ia pra dentro logo. E ainda hoje, quando leio que alguém se viu perseguido pelo clamor público, vejo com estes olhos o Sr. Clamor Público, magro, arquejante, de preto, brandindo um guarda-chuva, com um gogó protuberante que se abaixa e levanta no excitamento da perseguição. E já estava devidamente grandezinho, pois devia contar uns trinta anos, quando me fui, com um grupo de colegas, a ver o lançamento da pedra fundamental da ponte Uruguaiana-Libres, ocasião de grandes solenidades, com os presidentes Justo e Getúlio, e gente muita, tanto assim que fomos alojados os do meu grupo num casarão que creio fosse a Prefeitura, com os demais jornalistas do Brasil e Argentina. Era como um alojamento do quartel, com breve espaço entre as camas e todas as portas e janelas abertas, tudo com os alegres incomodos e duvidosos encantos de uma coletividade democrática. Pois lá pelas tantas da noite, como eu pressentisse, em meu entredormir, um vulto junto à minha cama, sentei-me estremunhado e olhei atonito para um tipo de chiru, ali parado, de bigodes caídos, pala pendente e chapéu descido sobre os olhos. Diante da minha muda interrogação, ele resolveu explicar-se, com a devida calma:
        - Pois é! Não ve que eu sou o sereno....
E eis que por um milésimo de segundo, ou talvez mais, julguei que se tratasse do silencio noturno em pessoa. Coisas do sono? Além disso, o vulto , aquele penumbroso e todo em linhas descendentes, ajudava a ilusão. Mas por que desculpar-me? Quase imediatamente compreendi que o "sereno" era um vigia noturno, uma espécie de anjo da guarda crioulo e municipal.
Por que desculpar-me, se os poetas criaram os deuses e semideuses para personificar as coisas, visíveis e invisíveis...... E o sereno da Fronteira deve andar mesmo de chapéu desabado, bigode, pala e de pé no chão...sim, ele estava mesmo de pés descalços, decerto para não nos perturbar o sono mais ou menos inocente.


Cronica do Livro as Cem Melhores Cronicas Brasileiras - Os anos 1970- Longe daqui, aqui mesmo-