sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
As Festas - Luís Fernando Veríssimo- Crônica do Livro Orgias
- Dona Teresa, eu.....
- Pintinho!
- Pinto.Meu nome é Pinto.
- Humm. Como nós estamos mudados, hein? Na festa.....
- Era justamente sobre isso que eu queria lhe falar dona Teresa. Na festa. Algumas coisas foram ditas...
- Só ditas, não, não é, Pintinho?
- Pinto. Pois é. Ditas e feitas, que .....
- Já sei. Vamos fingir que nada aconteceu.
- Eu preferiria.
- Muito bem. Só não sei o que vou dizer ao papai.
- O que tem o seu pai?
- Ele está vindo de Cachoeiro para o casamento.
Outra coisa perigosa é a pessoa se entusiasmar no fim do ano e decidir mudar. Ser outra pessoa. Deixar velhos vícios e adotar novas atitudes, ou recuperar algumas antigas. Janeiro, ou pelo menos a sua primeira quinzena, é uma espécie de segunda-feira do ano. As ruas ficam cheias de novos virtuosos, pessoas resolvidas a serem melhores do que no ano passado.
-Olhe.
- O que é isso?
- Aquele livro que você me emprestou.
- Eu não me lembro de .....
- Faz muito tempo. E, na verdade, você não emprestou. Eu peguei. Eu costumava fazer isso. Nunca mais vou fazer.
- Você pode ficar com o livro. Eu .....
- Não! Ajude a me regenerar. Quem fazia essas coisas não era eu. Era outra pessoa. Um crápula. Decidi mudar. Este sou o eu 2006. Comecei devolvendo todos os livros que peguei dos amigos. Acabou com a minha biblioteca, mas que diabo. Me sinto bem fazendo isso. Outra coisa. Precisamos nos ver mais. Eu abandonei os amigos. Abandonei os amigos! Olhe, vou à sua casa este sábado.
- Não Ahn.......
- Prometo não roubar nada.
- Não é isso. É que.....
- Já sei. Vamos combinar um jantarzinho lá em casa. A Santa e eu estamos ótimos. Fiz um juramento, na noite do ano bom. Que me regeneraria. E ela me aceitou de volta. Há dois dias que não olho para outra mulher. Dois dias inteiros! Isso era coisa do outro.
- Sim
- Do crápula
- Sei......
- Eu era horrível, não era? Diz a verdade. Pode dizer. Uma das coisas que eu resolvi é não bater mais em ninguém. Era ou não era?
- O que é isso?
- Como é que eu podia ser tão horrível, meu Deus?
- Calma. Você está transtornado. Vamos tomar um chopinho.
- Não! Não posso.Jurei que não botaria mais uma gota de álcool na boca.
- Mas um chopinho.....
- Está bem. Um. Em honra da nossa amizade recuperada. E escuta.....
- O que?
- Deixa eu ficar com o livro mais uns dias. Ainda não tive tempo de .....
- Claro. Toma.
- E vamos ao chope. Lá no alemão, onde tem mais mulher.
Do Livro ORGIAS - " Atire a primeira pedra - quem nunca passou dos limites, bebeu mais do que podia, caiu na farra. Mesmo que apenas na imaginação lúbrica, orgias se multiplicam. As festas de fim de ano que funcionam como rituais apaziguadores, em que prometemos mudar de vida, de comportamento - mas enquanto isso vamos tomar champanhe e dançar?"
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
O Rabino - Isaac Babel
Tais as palavras de Gedali. Ele as pronunciou com grande solenidade. A tarde morria, rodeando-o com a névoa rósea da tristeza.
"O apaixonado edifício do hassidismo teve suas portas e janelas arrombadas, porém é tão imortal como uma alma de mãe. Com órbitas gotejantes, o hassidismo ainda permanece nas encruzilhadas das turbulentas rajadas da História".
Assim falou Gedali. E terminadas as suas preces na sinagoga, levou-me à presença do Rabino Motale, o último da dinastia Chernobyl.
Fomos seguindo, Gedali e eu, a rua principal. Brancas igrejas cintilavam à distância, semelhantes a campos de trigo sarraceno. O motor de uma carreta de canhão ronronava a um canto. Duas mulheres ucranianas, grávidas, saíram de um portão fazendo tilintar seus colares de moedas, e sentaram-se num banco. Surgindo do conflito chamejante do por do sol , uma estrelinha tímida cintilou, e a paz, a paz do Sabá pousou sobre os tetos desvairados do gueto de Jitomir.
- É aqui - murmurou Gedali, apontando para um alto edifício com a fachada arruinada.
Entramos num quarto de paredes rígidas, vazio, como um necrotério. O Rabino Motale estava sentado a uma mesa, rodeado de mentirosos e possessos. Trajava um roupão branco, preso à cintura por um cordão, e tinha à cabeça um gorro de arminho. Sentado de olhos fechados, enterrava os dedos finos na barba amarelada.
- De onde vem o judeu?- perguntou, erguendo os olhos.
- De Odessa - respondi
- Cidade temente a Deus - disse o Rabino -a estrela de nosso exílio, a fonte involuntária de nossa desolação. Em que se ocupa o judeu?
- Estou pondo em versos as aventuras de Hersch de Ostropol
- Grande tarefa - murmurou o rabino, e fechou as pálpebras - O chacal, quando uiva, é porque tem fome, cada louco tem loucura suficiente para ficar desalentado, e somente o sábio pode romper com seu riso o véu que oculta o ser. Que estudou o judeu?
- A Bíblia.
E que procurava o judeu?
- Alegria.
- Reb Mordecai - disse o saddik, agitando a barba - , deixe o rapaz sentar-se à mesa, deixe-o comer com todos os outros judeus, nesta noite de Sabá, deixe-o regozijar-se por estar vivo, e não morto, deixe-o bater as mãos quando seus vizinhos dançarem, deixe-o beber vinho, se lhe derem algum.
E adiantou-se para mim Mordecai, um antigo bufão, um velho corcunda, de pálpebras viradas, do tamanho de um garoto de dez anos.
- Oh, meu caro jovem, tão jovem - disse o andrajoso Reb Mordecai, piscando os olhos para mim- Quantos ricos imbecis conheci em Odessa! E quantos sábios sem um níquel conheci, também em Odessa. Sente-se à mesa, rapaz, e beba o vinho que não lhe será dado.
Todos nós - possessos, mentirosos, indolentes- nos sentamos ao lado uns dos outros. A um canto, alguns judeus espadaúdos, com ar de pescadores e apóstolos, gemiam sobre os seus livros de oração. Gedali com seu fraque verde arrastando no chão, cochilava junto à parede, parecendo um pequeno pássaro cintilante. E, subitamente, notei um jovem ao seu lado, um jovem com o rosto de Spinoza, a fronte potente de Spinoza, e o rosto languido de uma freira. Fumava, tremendo, como um preso recapturado que é conduzido de volta à cela.
O esfarrapado Reb Mordecai arrastou-se até ele, puxou-lhe o cigarro da boca e precipitou-se de novo para mim.
- Este é Elias o filho do rabino - disse com voz rouca, aproximando mais de meu rosto os olhos injetados de sangue - o filho amaldiçoado, o derradeiro filho, o filho rebelde.
Mordecai ameaçou o jovem com o punho e cuspiu-lhe no rosto.
- Abençoado seja o Senhor- ecoou a voz do Rabino Motale, que começou a partir o pão com seus dedos simiescos.- Abençoado seja o Senhor Deus de Israel, que nos escolheu entre todas as Nações do Mundo.
O rabino benzeu o alimento, e sentamo-nos à mesa. Para além da janela, abriam-se as mandíbulas selvagens da guerra. Em meio ao silêncio e à oração, o filho do rabino continuava a fumar um cigarro após o outro.Terminada a ceia fui o primeiro a erguer-me.
- Meu caro jovem, tão jovem ainda - resmungava Mordecai, atrás de mim, puxando-me pelo cinto- se não existisse ninguém no mundo, senão os maus ricos e os errantes, necessitados, como viveriam os homens santos?
Dei ao velho algum dinheiro e saí para a rua. Despedi-me de Gedali, e dirigi-me à estação. Ali, no trem de propaganda o primeiro Batalhão de Cavalaria, esperava-me o clarão de luzes inumeráveis, o brilho mágico da estação de rádio, o trabalho obstinado dos prelos e meu artigo, ainda por terminar, para o Soldado Vermelho.
Um dos Contos do Livro A Cavalaria Vermelha,um relato, sem subterfúgios da campanha russo-polonesa de 1920. Isaac Babel, mais brilhante escritor da geração literária surgida com a Revolução Russa. Babel opôs ao lirismo dos seus contemporâneos uma objetividade desconcertante. Narrativas curtas , instantâneas a clarear as cenas trágicas do front.Ele participou da campanha russo-polonesa, servindo na Cavalaria de Budieni.
sábado, 13 de novembro de 2010
ANITA - Carmem Borja
artista plástica: Gabriela de Borja Araújo
Esta é uma homenagem a minha amada MÃE, com ela aprendi a velejar na leitura.
sábado, 6 de novembro de 2010
ABRIR AS CORTINAS - CINEMA - DAVID LYNCH - Em Àguas Profundas
É maravilhoso quando essa experiência é compartida. E continua maravilhoso, quando estamos em casa temos nosso próprio cinema à frente, embora não seja o ideal. A tela do cinema é melhor. Essa é a maneira de se entrar no mundo.
O cinema é uma linguagem . Eu posso dizer coisas - grandes e abstratas, . E adoro isso.
Nunca fui muito bom com as palavras. Algumas pessoas são poetas e têm um jeito maravilhoso de se valer das palavras para dizer o que querem. Mas o cinema é uma linguagem singular. E com essa linguagem podemos dizer muitas coisas porque dispomos de tempo e sequências. Há diálogos. Há música. Há os efeitos sonoros. Você tem muitos recursos. E assim pode expressar emoções e pensamentos que não poderiam ser expressos de outro modo. O cinema é um meio mágico.
Acho extraordinário poder pensar em cenas e sons, fluindo juntos em tempo e sequência, fazendo algo que só pode ser feito por intermédio do cinema. E não são apenas palavras e música ; reúne-se uma variedade de elementos que realizam algo completamente novo. Isso é contar histórias.É apresentar um mundo, uma experiência , que os outros só terão se assistirem ao filme.
Sou apaixonado pela forma com que o cinema é capaz de expressar as idéias , que capto para fazer os filmes. Gosto de histórias impregnadas de abstração, e isso o cinema pode fazer.
O contato que tive com ele foi muito tênue, foi em Fronteiras do Pensamento na URGS, autografou o livro prá mim e me disse algo muito rápido: "Saiba que toda à Natureza é um teatro mágico". " Se você pegar um peixinho, pode ficar em águas rasas. Mas se quer um peixe grande, terá que entrar em águas profundas.David Lynch- Criatividade e Meditação-" Em Águas Profundas"
terça-feira, 2 de novembro de 2010
PACTO - Carmem Borja
_ Há de ser assim, não tem mais como mudar.
Mas o restante da frase apaga-se em sua mente, somente o desconforto da calça jeans roçando em sua pele lhe traz de novo a paisagem da rua.
Vestimentas nada a ver com ela. É como se estivesse sempre fantasiada de um ocidentalismo prático, que macera sua pele e seu espírito {......}
Miríade senta cerca a mesa, passa as mãos entre uma e outra e após na calça. Ao toque de um relógio começa a fitar o ambiente: relógios antigos, baús, pratos de bronze, uma prateleira cheia de rádios, gramofones, vitrolas, e no lado esquerdo, um quadro encostado ao chão e, na parede, uma odalisca turca, com seus braços cheios de pulseiras, arrebata uma cena de mercado persa................
Nem Todas as Palavras - Lançamento 56ª Feira do Livro
domingo, 31 de outubro de 2010
56ª FEIRA DO LIVRO DE PORTO ALEGRE
Já Pensaram Todos os Pensamentos
Já Disseram Todas as Palavras
Mas não Fizeram Todas as Poesias
Nem Compuseram Todas as Melodias
Dora Lucia Neuberger
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
Mario Vargas Llosa: Un Nobel Largamente postergado- Generación Y
Generación Y |
Posted: 08 Oct 2010 01:41 PM PDT La literatura de Mario Vargas Llosa ha causado varios giros esenciales en mi vida. El primero fue hace 17 años, en un verano con apagones y crisis económica. Bajo el pretexto de conseguir “La guerra del fin del mundo”, me acerqué a un periodista expulsado de su profesión por problemas ideológicos con el que todavía comparto mis días. Conservo aquel ejemplar de carátula deshecha y páginas amarillentas, pues decenas de lectores descubrieron con él a ese autor peruano censurado en las librerías oficiales. Después vino la universidad y mientras preparaba mi tesis sobre la literatura de la dictadura en Latinoamérica, apareció su novela “La fiesta del chivo”. La inclusión en mi análisis de aquel texto sobre Trujillo no fue del agrado del tribunal que me evaluaba. Tampoco les gustó que entre las características de los caudillos americanos yo resaltara justo aquellas que también ostentaba “nuestro” Máximo Líder. De ahí que por segunda vez un libro del hoy Premio Nobel de Literatura marcó mi existencia, pues me hizo darme cuenta de lo frustrante que resultaba ser filóloga en Cuba. Para qué necesito un título –me dije– donde se anuncia que soy una especialista en el idioma y las palabras, cuando ni siquiera puedo unir frases libremente. Así que Vargas Llosa y su literatura son responsables, de una manera directa y “alevosa”, de mucho de lo que soy ahora: de mi felicidad matrimonial y de mi aversión a los totalitarismos, de haber renegado de la filología y de acercarme al periodismo. Me estoy preparando desde ahora, pues temo que la próxima vez que un libro suyo caiga en mis manos su efecto durará otros 17 años o volverá a significar el portazo a una profesión. |
terça-feira, 14 de setembro de 2010
As Horas Nuas- Lygia Fagundes Telles
"Eu vi a vida nascer da morte", soprou uma voz. Fiquei em suspenso diante de duas grandes mãos da cor do ocre, trabalhando pacientes na argila como eu próprio trabalhara no pão. Assim que me aproximei elas se esvaneceram. Ficou a vasilha do gato com um pouco de farelo no fundo.
__ São Lucas é o santo dia, anunciou Dionísia cortando as laranjas para o sumo de frutas.
Diogo continuava enredado nos seus cálculos domésticos enquanto Rosona excitada, procurava o anel de esmeralda que tinha esquecido não sabia onde. Só eu ouvi que São Lucas era o santo do domingo.
__ Perdi meu anel Diú! Aquela minha esmeralda....
__ Não perdeu não, deve estar por aí mesmo.
Ela enlaçou Dionísia. Imobilizou-se de repente num susto: lembrava-se agora do sonho da véspera. Baixou a voz pesada de intenções. Era com a criada que gostava de perambular por essa zona incerta.
__ Fecha a torneira, querida, escuta.
Acomodei-me na cadeira e escutei. Noite escuríssima. Viu-se numa em meio das trevas, mergulhada até o pescoço na água tão gelada que era como se estivesse num cubo de gelo. Começou então a chorar, chorar __ e fez o gesto, roçando a ponta dos dedos nas faces, imitando as lágrimas que desciam sem parar, lágrimas tão ardentes que aos poucos foram derretendo o gelo, varando a superfície dura até que a crosta se fez em pedaços e ela pode se libertar aquecida, mas não fora mesmo uma coisa deslumbrante? Hem?!.....Se salvar no próprio pranto.
Dionísia despejou o sumo em dois copos. Abriu a torneira e lavou pensativamente as mãos. Concentrou o olhar na pia. Pediu detalhes, e a água? Era suja ou limpa? Água corrente ou parada?
Fugi da interpretação e fui espairecer na saleta onde Diogo esqueceu o televisor ligado. Um cômico macaqueava um macaco sem a graça do macaco. Quando Rosona retornou à sala, eu dormia acordado na minha almofada. Alisou o pelo do meu pescoço e disse que por falar em água, ia me dar um banho, eu estava com cheiro de jaula. Olhei-a nos olhos. Deslavada mentira mas deixei-me levar. E se apanhasse uma pneumonia? se morresse? Na rota convencional da fitas fantásticas, toda fera maldita vira gente na morte......
Sair desta vida no nível do chão. Sem horizonte, fechado por muros, móveis e portas. A longa convivência com o rodapé. Com os sapatos, identifico os donos dos sapatos antes mesmo de encará-los ou de ouvir suas vozes......
.......Rosona me agarra de novo. Sossega Rahul, que não vou lavar o gatinho mais limpo do mundo, disse entrando na sala de banho......................
Uma atriz decadente e um gato são os personagens centrais deste romance. Rahul é um gato que sonha com o Homem, como o homem sonha com Deus. Abandonada só e infeliz, Rosa Ambrósia rumina a memória da dor, levanta a poeira das lembranças. Onde está o tempo está o drama: ao mobilizar suas paixões presentes e passadas, Rosa está destinada a romper o labirinto que a aprisiona e renascer. Segundo Fábio Lucas em As Horas Nuas estão presentes as grandes qualidades da autora. "Sua arte está no controle da narrativa, cujo efeito cênico é obtido com o rigor e o cálculo de um enxadrista. O racional, portanto se entrelaça com a rotação do insólito, do maravilhoso, do mágico ___ um vasto território de magia, pois sua faculdade mito poética se apóia numa imaginação cintilante."
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
O Demônio Me Disse - Giovanni Papini- Punhados
- Agora os homens não me interessam mais. Compram-me por pouco, mas valem cada vez menos. Não tem nem medula, nem alma, nem coragem. Talvez nem sequer tenham sangue suficientemente vermelho para firmar o contrato.........
Nunca conheci ninguém mais indulgente que o Diabo. Conhece tão profundamente a mesquinhez, a velhacaria, a sujidade e bestialidade humanas, que nada o espanta nem desgosta. É pacífico e sorridente como um sábio antigo, e às vezes me parece mais cristão que todos os cristãos do mundo.....
Encontrei-o, da última vez, numa dessas ruas solitárias dos arrabaldes de Florença, apertadas entre velhos muros, por cima dos quais apontam as oliveiras. Ia lendo um livro de capa negra e ria consigo mesmo, como só ele sabe rir. Aproximei-me e, apenas me viu, fechou o livro, segurou-me no braço e começou a dizer-me:
_ Conheço há séculos este livrinho a Bíblia; releio-o de quando em quando, se tenho necessidade de por-me de bom humor. A que eu leio agora é em inglês, e notei que o inglês se presta admiravelmente para o Antigo Testamento, ao passo que prefiro o italiano para o Novo.
..........Como foi que Adão e Eva apesar de terem comido o fruto proibido, não se converteram em deuses, mas foram arrojados por seu Deus do belo jardim?
.......... Se Adão e Eva tivessem comido todos os frutos da árvore maravilhosa, o Grande Velho, já não teria tido poder para arrojá-los do Paraíso. Não tiveram ânimo para comer rapidamente de todos os outros frutos, e eu lhes disse , não basta comer alguns era necessário despojar a árvore toda, para adquirir toda a sabedoria.
O homem portanto perdeu, uma magnífica oportunidade para converter-se em Deus e eu perdi uma das poucas probabilidades de voltar ao céu.........................................
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
O URSO - Nicolau Liescov - Punhados dos capítulos II e III
quinta-feira, 5 de agosto de 2010
Concurso literário Novo Hamburgo
REGULAMENTO
1. O Concurso destina-se a todas as pessoas interessadas e cada concorrente poderá participar com apenas um trabalho, inédito, em cada gênero (poesia e conto) que ainda não tenha sido premiado em outro concurso. O tema é Eu e o mundo e a inscrição é gratuita.
2. Consideram-se inscrito os textos entregues sob protocolo ou enviadas pelos correios (com registro A.R.), endereçadas à Secretaria de Cultura de Novo Hamburgo, rua Eng.º Ignácio Plangg 66, 3º andar – Bairro Centro - NH – RS – CEP: 93510-120
3. O texto deverá ser apresentado em 02 (duas) vias, escrito em língua portuguesa, digitado em espaço 1,5 (um e meio), com fonte Arial, tamanho 12 (doze), de um só lado do papel, e obedecer a um limite máximo de 15 (quinze) páginas.
4. Deverá constar, no interior do envelope que contém o trabalho, outro envelope menor, contendo em seu interior uma folha informando o título do texto, pseudônimo, nome completo do autor, idade, seu endereço, telefone, R.G., categoria, e-mail e grau de instrução. E, na parte externa desse pequeno envelope, deverão constar apenas o pseudônimo do autor e o título do texto a ser inscrito no concurso.
5. A comissão julgadora será composta por onze membros de reconhecido nível intelectual e acadêmico, sendo sua decisão soberana e irrecorrível.
6. Premiação: o concurso premiará os três primeiros colocados em cada categoria e em cada gênero (poesia e conto), além de duas menções honrosas por categoria e por gênero. O prêmio é a publicação do texto em livro, além de certificado informando a colocação dos vencedores.
Os vencedores serão revelados ao público em cerimônia solene realizada durante a realização da 28ª Feira Regional do Livro de Novo Hamburgo.
6.1 Os textos premiados e os que receberem menção honrosa consideram-se propriedade da Secretaria de Cultura de Novo Hamburgo, entidade realizadora do Concurso Literário, para finalidade de publicação da Coletânea de Contos.
7. O resultado do concurso será divulgado na imprensa e na Internet, nas páginas eletrônicas da Prefeitura e das Instituições parceiras.
8. Não serão devolvidos os textos dos participantes do concurso, sendo que os que não forem premiados serão incinerados.
9. O encaminhamento dos trabalhos na forma prevista neste regulamento implica na concordância com as disposições nele consignadas.
domingo, 11 de julho de 2010
Além do Mundo dos Opostos- Fritjof Capra- O Tao da Física
Todo o misticismo oriental gira em torno desse ponto de vista absoluto que é alcançado no mundo do acintya, ou do " nao pensamento", onde a unidade de todos os opostos torna-se uma experiência vívida. Nas palavras de um poema Zen,
Ao entardecer o galo anuncia a madrugada,
À meia noite o sol brilhante
A noção de que todos os opostos são polares - que a luz e a escuridão , o vencer e o perder, o bem e o mal, não passam de aspectos diferentes do mesmo fenômeno - constitui um dos princípios básicos do modo de vida oriental. Uma vez que todos os opostos são interdependentes, seu conflito jamais pode resultar na vitória integral de um dos lados, em vez disso, será sempre uma manifestação da interação entre os dois lados. No Oriente uma pessoa virtuosa não é aquela que busca concretizar a tarefa impossível de lutar pelo bem e eliminar o mal, mas sim, aquela que se mostra capaz de manter um equilíbrio dinâmico entre o bem e o mal.
Shiva na forma andrógina, metade macho, metade fêmea- simbolizando a unidade dos opostos.
A sociedade ocidental favoreceu tradicionalmente o lado masculino de preferência ao feminino. Em vez de reconhecer que a personalidade de cada homem e de cada mulher é o resultado de uma interação entre elementos masculinos e femininos , estabeleceu uma ordem estática em que se pressupõe que todos os homens são masculinos e todas as mulheres femininas e conferiu aos homens os papéis principais e a maioria dos privilégios sociais.Essa atitude deu origem a uma ênfase exagerada nos aspectos yang- ou masculino - da natureza humana, isto é, atividade, pensamento racional, competição, agressividade, etc.Os modos de consciência yin, ou femininos, geralmente descritos através e palavras como intuitivo, religioso, místico, oculto ou psíquico foram constantemente suprimidos, em nossa sociedade orientada por valores masculinos.Um ser humano plenamente realizado é aquele que nas palavras de Lao Tsé , conhece o masculino e contudo conserva o feminino. Óleo sobre tela - Gabriela de Borja
quinta-feira, 8 de julho de 2010
ALGOZES
Algozes Almeri Espindola de Souza Aquele é o local onde as mulheres são mortas depois que confessam suas traições. É um espaço com areia branca, cercado de vegetação densa, próximo da margem do rio São Francisco. Dizem que é um lugar assombrado, e que à noite se ouvem gemidos e guinchos de animais. Há quem conte que são vistas pessoas andando sem cabeças, mulheres se atirando no rio com criancinhas no colo. Caem raios com muita freqüência neste lugar, razão pela qual não nasce vegetação no pedaço de areia. O lugar permanece escuro, mesmo quando a noite está iluminada pela lua cheia. Não há estrada que a ligue com o resto da terra. Parece que as pessoas chegam e saem sem deixar rastros. Só se encontram os cadáveres das mulheres mortas, com a cabeça separada do corpo. Ninguém vê nada nem vê ninguém. Apenas os corpos são encontrados. O governo contratou índios da região para fazerem plantão no local e protegerem as mulheres de seus algozes, mas num passe mágico, os índios nunca mais foram vistos e as mulheres continuaram a serem mortas, agora com requintes de crueldades ainda maiores. As duas últimas encontradas por pescadores da região, estavam ainda vivas boiando no rio sem pernas nem braços. Morreram de hemorragia. Marília aceitou o convite de um a colegas de trabalho, para fazerem uma excursão ao nordeste do país. A cidade que visitariam era o ponto de maior produção de ervas medicinais, foi o que justificou, ao ser indagada pela irmã, que estava de visita em sua casa, sobre a escolha. Marta gostou de idéia de visitar aquela região, já que mora fora do Brasil há muito tempo. Arrumaram as malas com simplicidade. Repelente de insetos, um par de chinelos, um chapéu, blusas finas de mangas longas, calças compridas para protegerem-se dos perigos da região. A organização da excursão reiterou que lá havia muitos insetos e animais selvagens e que o sol era torrente, por isso precisavam de precaução. Despediram-se, numa sexta-feira pela manhã. O avião as deixaria numa cidadezinha próxima, e para o local pretendido por Marília, precisariam arranjar alguma carona, já que não havia meios de transporte coletivo. E a excursão tinha outro roteiro. Sua colega de trabalho resolveu que ficaria na cidade num hotel próximo do aeroporto, pois estava com indisposição intestinal e não quis arriscar-se na aventura. O restante do grupo saiu para os passeios de barco no rio São Francisco. Saíram a pé, quando o sol ainda estava alto. Não levaram bolsa, documentos, nada além do que vestiam. Apenas um cantil com água de beber. Marta nem água quis levar. Marília retornou na manhã do dia seguinte e, ao encontrar a amiga hospitalizada com doença intestinal séria, se ocupou de cuidar do tratamento da mesma e, com isso despistou o restante dos viajantes da excursão. Passaram-se seis meses. O zelador do prédio onde Marilia mora deu-se conta de que a moça que estava no jornal cuja vida ficara na “Asa da Mosca”, era a visitante que se hospedara no apartamento 11 e que ele logo percebeu tratar-se de uma irmã de Marília, tal semelhança que havia entre as duas. Viu que elas haviam saído juntas naquele mês de março e somente Marília voltara para casa. Ele lembrou, então, das tantas conversas que manteve com a vizinha do ap 11, das suas queixas de que Marta havia lhe roubado. Ela falava com rancor sobre a vida que a irmã levava. Os olhos de Marília faiscavam de raiva ao comentar que a irmã escapou da falência da família quando casou na Europa e, não satisfeita, lhe roubara tudo o que, por amor, tio Doca lhe deixara, usando documentação falsa, e a astúcia que a experiência no primeiro mundo lhe permitiu. Seu Zeca, como era carinhosamente chamado no edifício, comentou então com sua esposa, que conversavam sempre mas ela nunca falou com ele sobre aquela moça nem sobre a viagem. Marcadores: textos de oficina literária | d |
Él Avión de Moratinos- GeneraciónY- Cuba
Posted: 07 Jul 2010 11:37 AM PDT Imagen tomada de cubamatinal.es Mucho se especula en estos días sobre las posibles excarcelaciones de presos políticos. La prensa oficial –como siempre- adormilada entre cifras de crecimiento y viejos discursos sacados de los archivos, no confirma ni desmiente esos rumores. Una meticulosa lectura de Granma arroja que el canciller español ha venido para condenar el bloqueo, hablar del cambio climático e intentar quitar la posición común de la Unión Europea hacia el gobierno de Cuba. Si nos dejáramos llevar por lo que dicen los locutores de voz engolada y corbatas a rallas, aquí no está pasando nada… o casi nada. Pero todos sabemos que algo se mueve en la oscura zona de la diplomacia, en ese terreno de la alta política que se teje de espaldas al pueblo. Los murmullos vienen y van. En ellos, a la palabra “liberación” se le ha ido pegando un término de connotaciones infames: “deportación”. “Saldrán directo de las prisiones hacia los aviones” me dijo un señor que se la pasa con la oreja pegada al radio, escuchando la emisora prohibida que llega desde el Norte. La expatriación forzosa, la expulsión, el exilio, han sido prácticas habituales para deshacerse de los inconformes. “Si no te gusta te vas”, te repiten desde chiquito; “arranca y lárgate”, vuelven a espetarte si insistes en quejarte; “¿para qué volviste?”, recibes como saludo si osas regresar y seguir señalando lo que no te gusta. Habilidad en librarse de los incómodos, pericia para empujar fuera de la plataforma insular a quienes se le oponen, en eso sí que son diestros nuestros gobernantes. Tendría que ser muy grande el avión de Moratinos para poder llevarse en él a todos los que les estorban a los autoritarios del patio. Ni un Jumbo alcanzaría para trasladar a aquellos que potencialmente tienen el riesgo de ir a prisión por sus ideas y por su accionar cívico. Una verdadera línea área con vuelos semanales se necesitaría para sacar a quienes no están de acuerdo con la gestión de Raúl Castro. Pero resulta que muchos no queremos irnos. Porque la decisión de vivir aquí o allá es algo tan personal como seleccionar pareja o ponerle nombre a un hijo, no se puede permitir que tantos cubanos se encuentren entre la pared de la prisión y la espada del destierro. Es inmoral forzar a la emigración a quienes sean liberados –posiblemente- en los próximos días. Una simple y lógica pregunta salta cuando pensamos en este tema: ¿No sería mejor que se los llevarán en ese avión a “ellos”? |
domingo, 27 de junho de 2010
SABOR DE TERRA
Quando colocou os pés fora da porta, sentiu o suor lhe escorregar corpo adentro, os pingos da chuva crepitavam, loucos, inquietos, lavando seu ardor. Virou a cara retinta de frente para a chuvada melosa, que fazia uma mistura incrível com o odor de sua pele. Os passos tateavam o terreno pedregoso, escorregadio, as pedras exalam vapores que se contorcem ao longe, mas o solado dos pés é espesso pelo tempo.
Antonio pensa, quantas vezes foi, voltou, veio e se foi, e lá da cidade não tinha tanto o que recordar, senão aquele morenaço de coxas grossas e negras, os cabelos crespos e compridos, un coup de foudre, que lhe deixava as noites mais densas de vida. É que Mariana trabalhava em casa de família, tinha salário e comida certa e não quis se jogar com ele -neste pedaço de fim de mundo-, era como ela falava.
Assentado, estavam ele e mais outros, há muito tempo, o sonho do torrão todos os dias lhe acorda para o trabalho, a casa se é que se pode dizer, nem água, nem luz, somente a expectativa de um novo amanhecer.
Mas algo enraizou, desde a infância, seus pais trabalhavam a terra, sempre dela tiraram o seu sustento, mas quando ele cresceu teve que ir para a cidade, procurar emprego "pra melhorar". Dali em frente virou um zumbi que não tinha um lugar para assentar o seu couro, jogado pra lá e pra cá, o dinheiro não dava pro aluguel e nem pra comer, bóia fria, bóia quente, rolando de cortiço em cortiço, de favela em favela.Mas ainda restou um tempo, para estudar, para ler, até mesmo para escrever, o que lhe trouxe esta extrema inquietude e gerou sua pertinácia.
A enxada que faz o seu sulco com força, ajunta nele todo o respeito, toda a consciência de homem, esculpindo o corpo e a mente. Ele adormece fatigado e lasso, um homem completamente integrado na terra, neste ecossistema que alimenta a todos, havia agora algo em sua vida, sagrado.
Mariana vem de vez em quando, o vento, o cheiro do estrume, a lenha queimando no fogão e aquele corpo, que sempre parece ter algo de novo, na sua ausência a sua alma preenche o vazio.
As noites são curta metragem, mas sob o facho do lampião lê e relê o livro que tirou da biblioteca da escola. Talvez se fosse um homem de letras, ia se dedicar a contar estas histórias, que muitas vezes quando estão todos juntos, as conta, histórias que passam de um para outro e se modificam :"alimentando-se basicamente de mel silvestre, palmitos e farinha de pinhão, levaram cerca de quatro meses desde cá até onde agora é o Paraguai, essas trilhas se juntavam ao rio Peabiru e cruzando pelas nascentes dos rios Tibaji, Ivai e Piquiri, seguiam pela margem direita do rio Iguaçu, até sua foz no rio Paraná.[.....].e índios extremamente ferozes, que ficaram conhecidos como piratas do rio Paraguai aterrorizando os viajantes".
Aqui não se tem a sede do consumo, é só o necessário, eu não fui arremessado neste lugar eu vim.
terça-feira, 22 de junho de 2010
http//:desdecuba.com/generaciony/- Imagen tomada de: http://telenovelas-carolina-esp.blogspot.com/
El hombre entró en la pequeña librería El Cóndor cuya vidriera está orientada hacia el muro que bordea la universidad de Zürich. “Busco libros de Corín Tellado” musitó por lo bajo y yo salté frente al ordenador en el que tecleaba los últimos títulos llegados desde Buenos Aires, Madrid o México D.F. En su voz se sentía aún el acento habanero, tal vez porque llevaba poco tiempo en contacto con el dialecto suizo-alemán que terminaría por darle otra cadencia a sus palabras. Dijo que era del barrio de La Víbora y que también necesitaba –con urgencia- unas revistas españolas al estilo de Hola.María Mariotti –la dueña del local- se le acercó para explicarle que no tenía ni lo uno ni lo otro, pero que podía pedirlo a las distribuidoras. ¿Qué títulos quieres? indagó la pequeña mujer mitad peruana y otro tanto japonesa. “Todos los que se puedan conseguir. Son para mi mamá que vive de ellos” -declaró él- tratando de justificar su insistente interés por las novelas rosas. Contó que a falta de remesas para enviar a Cuba, cada mes trataba de hacerle llegar a su familia algunas publicaciones que se pudieran alquilar a otras personas. El incipiente negocio consistía en rentar revista como Vanidades o Gente, por cinco pesos cubanos, a una amplia comunidad de lectores que ansiaban tener nuevas ediciones. Los clientes podían quedarse una semana con los apetecidos textos y después estos seguían de mano en mano hasta que el deterioro obligaba a retirarlos de circulación.Pocos días después de aquel peculiar pedido, mi amiga partió para la feria del libro en Barcelona (2003) donde se le ofrecía un homenaje a María del Socorro Tellado López. Logró acercársele y contarle de la familia a al otro lado del Atlántico que sobrevivía cada mes gracias a su pluma. La autora de Doloroso engaño (1990) se impresionó con la historia y le entregó una selección con cincuenta de sus títulos, acompañados de una carta manuscrita para la señora de La Víbora. Aquel regalo hizo hipar de agradecimiento a la librera de Suiza y especialmente al hijo de la bibliotecaria alternativa. Él sabía muy bien lo que representaban aquellos nuevos ejemplares agregados a la colección materna. Sus páginas lograrían que en una deteriorada casa habanera hubiera más jabón, algo de aceite, otro poco de pan, zapatos para los niños y sueños para decenas de vecinos.
quinta-feira, 17 de junho de 2010
Guerreiros Coroados
Pedra sobre pedra, os pés afundam na sutil discrepância de feitios. Onde dantes corria a água, agora trafegam os passos, no intenso e harmonioso vazio de seixos redondos, rotundos, inconsequentes, de quando em vez a água surge como dançarina, esculpindo formas, ocupando espaços. No regaço dos canions as araucárias ataviando as encostas na sua forma de grandes cálices verdes.
domingo, 13 de junho de 2010
O Mar
Naquele canto da ilha
Tem uma magia, água tranquila
As gaivotas dançam encima dos barcos
Saracoteando e devorando os peixes que são muitos
E o Martim pescador mergulha tenaz na sua busca certeira
E tu estavas comigo, fiz este encontro, programei
Eu sei o quanto queria que estivesses comigo, naquele lugar
O salto das botas enterrava na areia meio umida
Está frio, inverno, a neblina insinuante
E o bar do Arantes, está ali com suas lembranças
Seu bilhetinho de recordação, e eu nem mesmo te conhecia
Não tinha noção apenas criei uma história, é apenas um conto
E o reboliço de minha alma delineava um encontro
As horas me encantam, o tempo se fez em magia
Então o meu ser, se aventura em contar esta fantasia, tão minha
Mas tão dona eu sou dela, que talvez ela nem exista
Sempre pairou neste lugar o encanto do Pântano do Sul
Muitas vezes estive neste lugar, mas nunca como hoje
Jamais com a alma tão entregue, querendo a tua companhia
Depois deste foram vários os encontros e agora posso dizer
Que deste irreal, surgiu algo tão belo
Que não preciso da sua presença para cantar esta poesia
sábado, 5 de junho de 2010
A Sinfonia do Mal- Tomás Eloy Martínez
Diante de cada relato de Fonseca, lembrei-me dos extremos de individualismo e amoralidade pregados por William Faulkner em uma entrevista à The Paris Review". "O artista só é responsável perante sua obra.Se for um bom artista, será completamente desumano. Ele tem um sonho, e esse sonho lhe provoca tamanha angústia que deve se livrar dele. Enquanto não o fizer, não terá paz. Joga tudo pela janela: honra, orgulho, decencia, segurança, felicidade, tudo. Tudo para escrever seu livro". Essas palavras são escandalosas, mas não despropositadas: no horizonte da história, os homens acabam sendo sua obra antes que eles mesmos.[...]. Não existe veneno mais letal para a criação que o pudor e a vergonha.
segunda-feira, 17 de maio de 2010
Livros e Arte
Óleo s/ Tela- Gabriela de Borja Araújo
Sugestões Livros:
- As Cem Melhores Crônicas Brasileiras- Seleção: Ferreira dos Santos, Joaquim- Ed. Objetiva
- A Dama do Cachorrinho e outros contos- Tchékhov- tradução de Boris Schnaidermann- Ed. 34
- Felicidade Clandestina- Linspector, Clarice- Ed Rocco
- O Jardim das Cerejeiras seguido de Tio Vânia- Tchékhov-tradução Millôr Fernandes- LPM Pocket
- O Amor nos Tempos do Cólera- Márquez, Gabriel Garcia-Ed Record
- O Tao da Física - Capra, Fritjof- Ed Cultri
domingo, 9 de maio de 2010
Pessoas Habitadas- Martha Medeiros
Uma pessoa pode ser altamente confiável, gentil, carinhosa, simpática, mas se não é habitada, rapidinho coloca os outros pra dormir. Uma pessoa habitada é uma pessoa possuída, não necessariamente pelo demo, ainda que satanás esteja longe de ser má referência. Clarice Linspector certa vez escreveu uma carta a Fernando Sabino dizendo que faltava demônio em Berna, onde morava na ocasião. A Suíça, de fato é um país de contos de fada, onde tudo funciona, onde todos são belos, onde a vida parece uma pintura, um rótulo de chocolate. Mas falta uma ebulição que a salve do marasmo. Retornando ao assunto: pessoas habitadas são aquelas possuídas por si mesmas em diversas versões. Os habitados estão preenchidos de indagações, angústias, incertezas, mas não são menos felizes por causa disso. Não transformam suas "inadequações" em doença, mas em força e curiosidade. Não recuam diante das encruzilhadas, não se amedrontam com transgressões, não adotam as opiniões dos outros para facilitar o diálogo. São pessoas que surpreendem com um gesto ou uma fala ou fora do script, sem nenhuma disposição para serem bonecos de ventríloquos. Ao contrário encantam pela verdade pessoal que defendem. Além disso, mantêm com a solidão uma relação mais do que cordial.
Então são as criaturas mais incriveis do universo? Não necessariamente. Entre os habitados há de tudo, gente fenomenal e também assassinos pervertidos e demais malucos que não merecem abrandamento de pena pelo fato de serem, em certos aspectos, bastante interessantes. Interessam mas assustam. Interessam mas causam dano. Eu não gostaria de repartir a mesa de um restaurante com Hannibal Lecter, " The Cannibal, ainda que eu não tenha dúvida de que o personagem imortalizado por Anthony Hopkins, renderia um papo mais estimulante do que uma conversa com sei lá, Britney Spears, que só tem gente em casa porque está grávida.
Que tenhamos a sorte de esbarrar com seres habitados e ao mesmo tempo inofensivos, cujo único mal que possam fazer é nos fascinar e nos manter acordados uma madrugada inteira. Ou a vida inteira o que é melhor ainda.
terça-feira, 30 de março de 2010
Ângela Viário, irmã dos gêmeos, foi devolvida na noite do casamento pelo marido, Bayardo San Román, pelo crime de não ser mais virgem. Pressionada pelos irmãos, ela diz o nome de Santiago, o rapaz alegre e bonito de 27 anos, apreciador de festas e farras.
Na mesma noite em que tudo aconteceu – o casamento e a separação de Ângela Vicário – seus irmãos bebiam e cantavam com Santiago Nasar em uma casa de tolerância. Cinco horas depois o estavam matando, a facadas.
Gabriel Garcia Márquez, escritor colombiano nascido em 6 de março de 1928 em Macondo, cidade pequena próxima a Barranquilla, autor do clássico “Cem anos de solidão”, consegue atingir o auge da narrativa com esta “Crônica de uma morteanunciada”. A maneira realista e tocante como Márques, prêmio Nobel de Literatura, descreve os últimos momentos de Santiago Nasar, já ferido de morte, merece ser lembrada:
“...Começavam a tomar café quando viram Santiago Nasar entrar, empapado de sangue, levando ns mãos o cacho de suas entranhas. Poncho Lanao me disse: ‘Nunca pode esquecer o hoirrível cheiro de merda’. Mas Argênida Lanao, a filha mais velha, contou que Santiago Nasar caminhava com a altivez de sempre, medindo bem os passos, e seu rosto de sarraceno com os cabelos crespos desalinhados estava mais belo do que nunca. Ao passar diante da mesa sorriu-lhes e caminhou pelos quartos até a saída dos fundos. ‘Ficamos paralisados de susto’, disse-me Argênida Lanao. Minha tia Wenefrida Márquez estava escamando um sável no pátio de sua casa., do outro lado do rio, e o vio descer as escadas do molhe antigo, procurando, com passo firme, o caminho de sua casa. ‘Santiago, filho’, griitou-lhe, ‘que houve com você?’. Santiago Nasar reconheceu-ª ‘Me mataram, querida Wene’, disse. “Crônica de uma morte anunciada
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NÃO DEIXE O AMOR PASSAR
Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida.
Se os olhares se cruzarem e, neste momento,houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em que nasceu.
Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante, e os olhos se encherem d’água neste momento, perceba: existe algo mágico entre vocês.
Se o primeiro e o último pensamento do seu dia for essa pessoa, se a vontade de ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça: Deus te mandou um presente: O Amor.
Por isso, preste atenção nos sinais - não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: O AMOR.
romance A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, foi publicado pela Francisco Alves Editora, 17ª; edição, da qual foram extraídas as citações utilizadas na análise. Rodrigo S.M., narrador onisciente, conta a história de Macabéa, personagem protagonista, vinda de Alagoas para o Rio de Janeiro, onde vivia com mais quatro colegas de quarto, além de trabalhar como datilógrafa (péssima, por sinal).
Macabéa é uma mulher comum, para quem ninguém olharia, ou melhor, a quem qualquer um desprezaria: corpo franzino, doente, feia, maus hábitos de higiene. Além disso, era alvo fácil da propaganda e da indústria cultural (para exemplificar, seu desejo maior era ser igual a Marilyn Monroe, símbolo sexual da época).
Nossa personagem não sabe quem é, o que a torna incapaz de impor-se frente a qualquer um. Começa a namorar Olímpico de Jesus, nordestino ambicioso, que não vê nela chances de ascensão social de qualquer tipo. Assim sendo, abandona-a para ficar com Glória, colega de trabalho de Macabéa; afinal, o pai dela era açougueiro, o que lhe sugeria a possibilidade de melhora financeira. Triste, nossa personagem busca consolo na cartomante, que prevê que ela seria, finalmente, feliz... a felicidade viria do “estrangeiro”. De certa forma, é o que acontece: ao sair da casa da cartomante, Macabéa é atropelada por Hans, que dirigia um luxuoso Mercedes-Benz. Esta é a sua “hora da estrela”, momento de libertação para alguém que, afinal, “vivia numa cidade toda feita contra ela”.
“Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta, continuarei a escrever. (...) Pensar é um ato. Sentir é um fato.”
Existe a necessidade constante de descobrir-se o princípio, mas o homem, limitado que é, não conhece a resposta a todas as perguntas. A personagem narradora não é diferente dos outros homens, porém, mesmo sem saber tais respostas, de uma coisa ela tem certeza e, por isso, ela afirma: “Tudo no mundo começou com um sim.” É preciso dizer sim para que algo comece, por isso, ela diz “sim” a Macabéa. Alguém que forçou seud nascimento, sua saída de dentro do narrador, tornando-se a nordestina, personagem protagonista de seu romance.
É o grito do narrador que aparece no corpo de Macabéa:
“Mas a pessoa de quem falarei mal tem corpo para vender, ninguém a quer, ela é virgem e inócua, não faz falta a ninguém. Aliás - descubro eu agora - também não faço a menor falta, e até o que eu escrevo um outro escreveria. Um outro escritor sim, mas teria que ser homem porque escritora mulher pode lacrimejar piegas.”
Assim, ela é uma entre tantas, pois quem olharia para alguém com “corpo cariado”, franzino, trajes sujos, ovários incapazes de reproduzir? Com ela o narrador identifica-se, pois ele também nada fez de especial (qualquer um escreveria o que ele escreve); teria de ser escritor, mas nunca escritora; por outro lado, não se pode esquecer de que quem escreve é Clarice Lispector, conforme se afirma na dedicatória.
Dessa forma, desencadeia-se, na primeira parte do livro, todo um processo de metalinguagem, que entrecortará a narrativa até o seu desfecho. O narrador homem - Rodrigo S. M. - tecerá reflexões sobre a posição que o escritor ocupa na sociedade, seu papel diante dela e, principalmente, sobre o processo de elaboração da escritura de sua obra:
“Escrevo neste instante com prévio pudor por vos estar invadindo com tal narrativa tão exterior e explícita. De onde no entanto até sangue arfante de tão vivo de vida poderá quem sabe escorrer e coagular em cubos de geléia trêmula. Será essa história um dia o meu coágulo? Que sei eu. Se há veracidade nela - e é claro que a história é verdadeira embora inventada - que cada um reconheça em si mesmo porque todos nós somos um e quem não tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espíirito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa do que ouro - existe a quem falte o delicado essencial.
Proponho-me a que não seja complexo o que escreverei, embora seja obrigado a usar as palavras que vos sustentam. A história - determino com falso livre arbítrio - vai ter uns sete personagens e eu sou um dos mais importantes deles, é claro. Eu, Rodrigo S. M. Relato antigo, este, pois não quero ser modernoso e inventar modismos à guisa de originalidade. Assim é que experimentarei contra os meus hábitos uma história com começo, meio e ‘gran finale’ seguido de silêncio e chuva caindo.”
Ironizando, repetidas vezes, o desejo que os leitores têm da narrativa tradicional, Clarice Lispector (aqui transfigurada no narrador Rodrigo S. M.), em contrapartida, não abre mão de suas características mais marcantes, ou seja, a reflexão, o elemento acima do enredo, o “silêncio e a chuva caindo”, que marcarão a personagem protagonista.
Como contar a vida sem menti-la? Para isso, pondera o narrador, a narrativa há de ser simples, sem arte. O narrador está enjoado de literatura. Não usará “termos suculentos”, “adjetivos esplendorosos”, “carnudos substantivos”, verbos “esguios que atravessam agudos o ar em vias de ação”. A linguagem deve ser despojada para ser precisa e para poder alcançar o corpo inteiro e vivo da realidade.
Como escreve o narrador?
“Verifico que escrevo de ouvido assim como aprendi inglês e francês de ouvido. Antecedentes meus do escrever? Sou um homem que tem mais dinheiro do que os que passam fome, o que faz de mim de algum modo um desonesto. (...) Que mais? Sim, não tenho classe social, marginalizado que sou. A classe alta me tem como um monstro esquisito, a média com desconfiança de que eu possa desequilibrá-la, a classe baixa nunca vem a mim.”
Chegamos, aqui, ao ponto mais importante desse trabalho de metalinguagem: a consciência do escritor como um marginalizado. É aqui que o narrador se funde com sua personagem: ambos são marginalizados, num espaço que não os aceita. Tal fusão se dá em todos os níveis - não apenas no desejo de simplicidade da linguagem despojada; para poder falar de Macabéa, o escritor torna-se um trabalhador braçal, faz-se pobre, dorme pouco, adquire olheiras fundas e escuras, deixa a barba por fazer, lidando com uma personagem que insiste, com seus dezenove anos, mesmo tendo “corpo cariado”, comparada a uma “cadela vadia”, “numa cidade toda feita contra ela”, em viver. Assim, personagem e narrador dão seu grito de resistência em busca da vida.
A resistência de Macabéa pode ser representada, por exemplo, nos momentos em que sorri na rua para pessoas que sequer a vêem; a resistência do narrador, na busca da palavra, cheia de sentidos secretos... a “coisa”, que, quando não existe, deve ser inventada (o narrador escritor como senhor da criação).
Tanto Macabéa como a palavra são pedras brutas a serem trabalhadas. A palavra será a mediadora entre o narrador e o leitor, e entre o leitor e Macabéa, pois é por meio dela que conheceremos a história da personagem, os fatos e, principalmente, o nascimento deles. O narrador, ao contar Macabéa, conta a si mesmo, não só pelas sucessivas identificações com a personagem, mas porque ela sai de dentro de si, imanente que é a ele (“pois a datilógrafa não quer sair de meus ombros.”).
Dessa união, nasce uma nordestina vinda de Alagoas para o Rio de Janeiro. Datilógrafa, “o que lhe dava alguma dignidade”, fazendo-a acreditar que tal profissão indicava que “era alguém na vida” (aqui, não lhe passa pela cabeça que é uma péssima profissional, semi-analfabeta... ela não tem consciência de nada disso).
Alguém com aparência bruta, capaz de enojar suas quatro companheiras de quarto (na pensão onde morava), trabalhadoras das Lojas Americanas:
“... dormia de combinação de brim, com manchas bastante suspeitas de sangue pálido (...) Dormia de boca aberta por causa do nariz entupido.
Ela nascera com maus antecedentes e agora parecia uma filha de não-sei-o-quê com ar de se desculpar por ocupar espaço. No espelho distraidamente examinou as manchas do rosto. Em Alagoas chamavam-se ‘panos’, diziam que vinham do fígado. Disfarçava os panos com grossa camada de pó branco e se ficava meio caiada era melhor que o pardacento.
Ela toda era um pouco encardida pois raramente se lavava. De dia usava saia e blusa, de noite dormia de combinação. Uma colega de quarto não sabia como avisar-lhe que seu cheiro era murrinhento. E como não sabia, ficou por isso mesmo, pois tinha medo de ofendê-la. Nada nela era iridescente, embora a pele do rosto entre as manchas tivesse um leve brilho de opala. Mas não importava. Ninguém olhava para ela na rua, ela era café frio.
Assoava o nariz na barra da combinação. Não tinha aquela coisa delicada que se chama encanto. Só eu a vejo encantadora. Só eu, seu autor, a amo. Sofro por ela.”
Sua falta de percepção física acompanha a psicológica. Começa com o fato de ela ser alvo fácil da sociedade consumista e da indústria cultural: gosta de colecionar anúncios; seus parcos conhecimentos são extraídos da Rádio Relógio (informações ouvidas, mas nunca entendidas); gosta de cachorro-quente e coca-cola. Aceita tudo isso sem questionar, pois teme as conclusões a que pode chegar (arrepende-se em Cristo por tudo, mesmo não entendendo o que isso significa; não se vingava porque lhe disseram que isso é “coisa infernal”; apaixona-se pelo desconhecido, como no caso da palavra “efemérides”, mas nunca procurava, efetivamente, conhecer o incognoscível, pois era mais fácil aceitar aceitar-lhe a existência e admirá-lo a distância).
Conseqüentemente, torna-se personagem “torta”, de tanto encaixar-se num meio que tanto a repele. O próprio emprego de datilógrafa é revelador: ela o era por acreditar que este lhe dava alguma dignidade. Buscava a dignidade, como se não tivesse direito a ela. Outro dado revelador é seu relacionamento com Olímpico, desculpando-se com ele todo o tempo, chegando a dizer-lhe que não é muito gente, que só sabe ser impossível.
Ela não se defende por seus próprios valores, mas tenta adaptar-se aos valores do namorado, nunca discutindo a validade deles.
Olímpico representa o contraponto em relação a Macabéa. Seus valores em nada se relacionam aos dela: metalúrgico, quer ser deputado, afastar-se de Macabéa e ficar com Glória, a loira oxigenada, colega de trabalho de Macabéa; afinal, o pai dela era açougueiro, o que lhe dava maiores perspectivas de vida.
E tudo isso é, literalmente, engolido, tão deglutido, que ela não admite a idéia de vomitar; afinal, isso seria um desperdício.
Ao mesmo tempo, é sensual em seus pensamentos, ou nos momentos de solidão, como quando viu o homem bonito no botequim, ou ainda quando ficou em casa - ao invés de ir trabalhar - vivendo a sensação de liberdade.
O prazer em Macabéa é algo que sempre se alia à dor. Ao ver o homem, por exemplo, apesar do prazer que tal visão lhe dá, há o sofrimento por não o possuir e por ter a certeza de que alguém assim é mesmo só para ser visto. Macabéa já havia experimentado essas sensações contraditórias com outra pessoa, a tia, que, ao bater na menina, sentia prazer ao vê-la sofrer: “... e ela era só ela”, imune à vida, vida que era morte, por tanta aceitação.
O instinto de vida, que está ligado ao prazer, vem sustentáa-la. Diz o narrador: “Penso no sexo de Macabéa (...) seu sexo era a única marca veemente de sua existência.”
E ainda, mais adiante, ligando o prazer à morte: “Ela nada podia mas seu sexo exigia, como um nascido girassol num túmulo.”
De que “relação sexual” se pode falar no caso de Macabéa? Da relação com a própria vida, que ela insiste em manter, no seu conceito tão particular de beleza: usava batom vermelho, queria ser atriz de cinema com Marylin Monroe, apreciava os ruídos, pois eram vida.
Essas sensações se intensificam quando vai à cartomante Carlota (por recomendação de Glória), no momento em que esta lhe revela: a felicidade viria de fora, do estrangeiro. A cartomante mostra-lhe a tragédia que é sua vida (coisa de que, até o momento, não havia tomado consciência), mas, ao mesmo tempo, dá-lhe a esperança de acreditar que as coisas poderiam ser diferentes... a possível felicidade.
Quando sai da casa da cartomante, é atropelada por Hans, que dirigia um automóvel Mercedes-Benz, momento em que a vida se torna “um soco no estômago”:
“Por enquanto Macabéa não passava de um vago sentimento nos paralelepípedos sujos. (...)
Tanto estava viva que se mexeu devagar e acomodou o corpo em posição fetal. Grotesca como sempre fora. Aquela relutância em ceder, mas aquela vontade do grande abraço. Ela se abraçava a si mesma com vontade do doce nada. Era uma maldita e não sabia. (...)”
A morte dela é o momento em que Eros (Amor) se une a Tanatos (Morte), vida e morte, num momento doce, e sensual:
“Então - ali deitada - teve uma úmida felicidade suprema, pois ela nascera para o abraço da morte.
(...) E havia certa sensualidade no modo como se encolhera. Ou é como a pré-morte se parece com a intensa ânsia sensual?
É que o rosto dela lembrava um esgar de desejo. (...)
Se iria morrer, na morte passava de virgem a mulher. Não, não era morte pois não a quero para a moça: só um atropelamento que não significava sequer um desastre. Seu esforço de viver parecia uma coisa que se nunca experimentara, virgem que era , ao menos intuíra, pois só agora entendia que mulher nasce mulher desde o primeiro vagido. O destino de uma mulher é ser mulher. Intuíra o instante quase dolorido e esfuziante do desmaio do amor. Sim, doloroso reflorescimento tão difícil que ela empregava nele o corpo e a outra coisa que vós chamais de alma. (...)
Nesta hora exata, Macabéa sente um fundo enjôo de estômago e quase vomitou, queria vomitar o que não é corpo, vomitar algo luminoso. Estrela de mil pontas.
O que é que eu estou vendo agora é e que me assusta? Vejo que ela vomitou um pouco de sangue, vasto espasmo, enfim o âmago tocando no âmago: vitória!”
Sua boca, agora, vermelha como a de Marylin Monroe, no apogeu orgásmico da morte, grita, pela primeira vez, depois de vomitar, à vida:
“E então - então o súbito grito estertorado de uma gaivota, de repente a águia voraz erguendo para os altos ares a ovelha tenra, o macio gato estraçalhando um rato sujo e qualquer, a vida come a vida.”
Chegamos, afinal, ao momento da epifania do narrador fundido à Macabéa: é a vida que grita por si mesma, independente da opressão e da marginalização social. O momento, entremeado com silêncio, da consciência a que se chega pelo ato de escrever:
“(...) O instante é aquele átimo de tempo em que o pneu do carro correndo em alta velocidade toca no chão e depois não toca mais e depois toca de novo. Etc. , etc., etc. No fundo ela não passara de uma caixinha de música meio desafinada.
Eu vos pergunto: - Qual é o peso da luz?
E agora - agora só me resta acender um cigarro e ir para casa. Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. Mas - mas eu também?!
Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.
Sim.”
Enfim, descobrimos, agora, que tudo começa e acaba com um sim. Também é preciso coragem para morrer, silêncio para ouvir o grito da vida.